domingo, 31 de maio de 2020

Lilases.

Andará pelos 400 a 415 nanómetros, mas não é como medir a febre, é sim sinal de primavera, por onde quer que se ande. É cor de cardo no campo...


Ou de cidade, no jacarandá aprofilhado...


Chama pela cor aos nossos olhos, convida...


Não pela sombra, mas pelo sabor do queijo, e a lembrança da Quinta dos Lilases.

Falta o mel de rosmaninho, e poema à nossa natureza.


Recupera rápido, meu caro Samuel.

domingo, 24 de maio de 2020

Alinhavado.

Quando se vai por pouco gastar muito tem de se cobrar um tributo, assim, sem virgulas que permitam ganhar fôlego. Aquela aflição de que a manhã está a passar, e alguém me espera ou me controla... ah! mas tenho o tributo a que tenho direito, e então o tempo pára e esqueço. Estou como quero.

Procurava exemplo para "Beco do Kotter", e por perto havia um, mas também abrir um Cinatti do livro que levei, e encontrar algo sobre os dois. O ponto de partida é recorrente, tenho raízes aqui...




E assim fico a olhar, construindo o meu silêncio alheado, posto nas folhas, a que dou descanso no plano vertical, e desço.


Trinta e sete anos, precisamente.

Há de tudo o que quero, e quando menos espero saiu rima chinfrim, e vou inseguro no tempo que levo. Escadinhas de apertado insalubre, perdoam a sua insignificância no significado que lhe quero encontrar, e assim me justificar.

Caminhando...







Alinhavei pensamentos, encontrei flores, e de regresso, desfasado, voltei à inflorescência de tília, do dia anterior. Outro tempo de tributo, de tão tarde que já não passa.




Tudo tão banal, eu sei, meu caro Ruy Cinatti. Perdoa-me José Cutileiro, esqueci-me de ti.


Não será pedante esta minha falsa familiaridade? Qual a necessidade?








P.S. Era para ter sido NADA[S]_MEU[S]_0019.

domingo, 17 de maio de 2020

Bilhetes de Colares.

Assinava-os como A. B. Kotter, e durante muitos anos li-os acreditando que era um inglês, mais um, dos que se encantaram por Sintra, e pelo nosso país, perspicaz observador da terra e das gentes, com a particularidade de ser cliente do Bananeiro em Colares, facto que denunciava de vez em quando nos seus Bilhetes, e que constituía motivo acrescido do meu interesse, pois o Sr. João Fernandes Evangelista [se a memória não me falha], o Bananeiro como era conhecido, madeirense, talvez de Santana, especulo eu, porque tinha um cartaz emoldurado da freguesia, era por sua vez nosso cliente. Na sua loja era ponto assente: bananas da Madeira e vinho de Colares, réstias de alhos e cebolas, as preferidas do meu pai, as mais diversas hortaliças e frutas, de que destaco peras, pêssegos e maçãs, tudo da região, e que fariam também as delícias do Dr. Kotter, imaginava eu. Mercearia e charcutaria, fina no esmero e qualidade dos seus produtos.



O Bananeiro era nosso cliente de longa data, e a minha adolescência decorreu a trabalhar com o meu pai nas férias grandes, fornecendo produtos de charcutaria, queijos, conservas, e por lá encontrei a D. Fernanda e o Sr. Manuel, filha e genro do Sr. Fernando [as pessoas tratavam-no assim], as empregadas D. Rosa, que me viu crescer, e a Cidália, pouco mais nova do que eu,  que também estava a crescer, estimada pelo Sr. Fernando por ser trabalhadora, aprendia rápido e atendia bem os clientes.

O Pomarinho da Várzea dá seguimento ao legado do Bananeiro, o seu neto Pedro, a esposa Micaela, e restantes familiares, continuam com o negócio, e nós continuamos a fornecer. Como escreveu o Dr. Kotter "tenho contas no Espírito Santo e no Bananeiro". A agência já não existe, o embaixador partiu hoje, e em longínqua memória esperava cruzar-me com Dr. Kotter no Bananeiro, o que nunca aconteceu. Cresci a ler os seu Bilhetes.



Ainda guardo jornais com os seus Bilhetes [na urgência de escrever não os fui procurar no amontoado de jornais, que por alguma razão em especial guardo], e só descobri que era heterónimo do embaixador José Cutileiro, irmão do escultor João Cutileiro, quando foram reunidos em livro, primeiro pelo jornal O Indendente, depois pela Assírio & Alvim.




Estou tentado: o que tenho não tem tudo, é mais passado vivido, ou o que escreveu mais recentemente, e que não li...

----------------------------------
Post scriptum


Verão para mim é sinónimo de frescura na água represada, parcimoniosamente liberta para o leito, em direção à Praia das Maçãs, e brisa agitando as folhas dos plátanos que ladeiam a Alameda Coronel Linhares de Lima, a "Adéga Regional de Colares", as Caves Visconde de Salreu [a chegar ao centenário], a Toca, na Várzea de Colares e Banzão, onde fica o Pomarinho. Pena que é quase sempre em trabalho, e nunca consegui ter uma casa por cá. É sem dúvida o trajeto mais bem querido da minha vida passada, e continuo a sentir um conforto tão grande quando a cruzo em direção ao mar, mas também em sentido contrário, embicando para a Estrada Nova da Rainha, atravessando a Serra de Sintra em direção à vila, o que já não é possível.

Escolher um local para o topónimo, Kotter ou Cutileiro [o Beco do Kotter, com souplesse & frolic], em Colares de preferência, talvez não seja despropositado. A ver vamos.

domingo, 3 de maio de 2020

NADA[S]_MEU[S]_0018_COR ACHADA.

Encontrei esta cor perdida, vindo de uma transferência. Acontece que ela se me está a escapar. Era mais bonita. Peguei na lanterna para a procurar...


Ah... a falta que o sol e o tempo me faz.






Folha de acobreado a fixar.

----------------------------------
Post scriptum


Quando estou verde é porque guardo para mim as outras cores, haja sol e calor, vou-me criando até que chegue o fim. Dou então a vez às outras: o alaranjado caroteno, o vermelho da antocianina,  o amarelo das xantófilas, e azuis até, das antocianinas, por fim o tanino castanho.


Mas não é só capricho alquímico, apetites vorazes podem explicar porque há tamanha paleta. [escrito com base na informação recolhida AQUI]


Clorofila em ciclo, AQUI, nas palavras do meu querido Primo Levi [tu não te suicidaste].



----------------------------------
Post post scriptum


Depois DESTE assalta-me a vontade de ler, talvez renascer [AQUI]...


na estética do belo e do feio [AQUI ou AQUI]...


procurando Graças [AQUI]... Sofonisba... a princípio só estranha palavra...


Virá resposta...

Cachimbando um bom POEMA...

sexta-feira, 1 de maio de 2020

NADA[S]_MEU[S]_0017_METÁFORA DE UM CAMINHO.

Um segmento de recta com as prováveis, desejáveis e imprevisíveis, curvas e cores, altos e baixos, sem grande aparato no horizonte, escorreito e arejado, por onde passam poucas pessoas, e construções somente nas extremidades, propício ao cultivo da misantropia.



Não passo, vou em deslizante rolagem de quem procura subtilezas, e atalho no caminho, sem tempo para parar [ó contradição... contrição]. No passado foi ASSIM, ontem foram as madressilvas... viçosas, não há tempo, é agora...




. . .




. . .




Incompreensivelmente, não os tenho por conhecidos, e dos respectivos automóveis apenas uma visão fugidia, buzinaram-me por duas vezes... irritaram-me! conseguiram?


E no regresso...




A desconhecida que tem o dom da chave...




Feitas para os mais diversos olhos e outros sentidos...




Soube depois que são malvas, sylvestris ou neglecta, ainda estou na dúvida, mas são as familiares malvas que em criança os meus pais me aplicaram [folhas secas fervidas em água, a água de malvas], para aliviar/curar alguma maleita.


----------------------------------

Post scriptum

Descobri hoje que um dos meus cantinhos favoritos também é projeto de Raúl Lino.

A Paixão da Tipuana.

Local de passagem, ilhéu de sombra e cor, verde contracorrente de estações trocadas e atapetamentos dourados, tudo a seu tempo, e conforme os tempos, o sempre [des]igual.

Fotos de outro local... a biosfera é um continuum cíclico de desprezo pelo indivíduo, implacável com a morte: senão aqui, noutro lugar, de outra forma.

Ao centro, escultura de Mestre Carlos Vizeu, qual soldado gigante da Airfix emboscado na floresta, formando um todo ao deus-dará, que desperta enlevos de ambiente kitch no contexto suburbano, assim como esta construção frásica, a condizer com a fachada da corporação. Era ASSIM [a foto não é minha], ficou ASSIM.

A sanguínea seiva que escorre dos cortes, com certo grau de coagulação, presta-se à tétrica passagem de jardim do Getsémani a ermo Gólgota, a que não faltou no dia seguinte a "salga do chão".



O trabalho também pode ser penoso, como descobri, ao interpelar uma pessoa que o fazia, em forma de espanto meu pelo "sangue que escorria".




Metáfora fácil que lancei e colhi. "O patrão diz que são freixos"... está a ver estas sementes? repliquei... são de tipuana.




Nos cortes expostos houve consenso na sensibilidade partilhada / aflorada:



A aparente vitalidade das secções, aos olhos de um leigo, lança a dúvida sobre a necessidade desta desarborização,




ou intentos futuros para o mesmo espaço, sem a sombra e a variabilidade cíclica de cores, fácil apelo estético a quem passa, forma gratuita e edificante de cultura, que leva o seu tempo a crescer.

Gostei do seu comentário, é de "gente de bem", foram as minhas últimas palavras.

Era Dia Mundial do Livro [juntei mais estas folhas à minha floresta], a caminho do trabalho, e fiquei a saber que partilhamos com a tipuana a mesma cor visceral.