domingo, 27 de setembro de 2020

Ei-lo que parte.

Por sua iniciativa arranjou trabalho e rumou a Lisboa, tinha 17 anos [1955]. Da hora da partida recordava os conselhos da mãe Rosário e o desagrado do pai Américo, mas estava decidido: não via futuro nos negócios da resina, ou do transporte de mercadorias em juntas de bois, por estradas de macadame serpenteando serranias, entre Alferrarede, onde chegava o comboio, e a nossa região [resina, madeira, cera, sal, ferro]. A agricultura era de subsistência.

Chegou com a vontade do poema "Fala do Homem Nascido". Esteve empregado apenas 8 meses, despediu-se e começou a trabalhar por conta própria, subindo na vida a pulso, com aquele instinto para o comércio que tinha observado no seu adorado avó paterno Joaquim Carolino: recordava que este tinha clientes em Proença-a-Nova com os quais só fazia contas uma vez por ano, tudo na palavra: vendia-lhes peixe.

Desenho feito pelo menino Elias, dois dias depois de ter completado 12 anos. Andava na 4.ª Classe.

Primeiro de bicicleta com cesto, depois de motorizada, já na companhia do seu irmão mais novo José Maria, iam descendo pelo Alentejo, vendendo os queijos que recebiam pelo comboio, pernoitando em pensões: das Minas de São Domingos, em Mértola, seguiam para Vila Real de Santo António, avançando pela costa algarvia, desbravando a geografia com o vigor da juventude.

Começou assim, como tantos outros da nossa freguesia, que foram construindo as suas vidas a par das suas empresas, estabelecendo, sem o saberem, uma rede de comércio atomizada e desconexa, arcaica, que chegou até aos nossos dias, e que a pandemia, nalguns casos, ressaltou: resiliente e capilar, capaz de chegar a onde outras formas não chegam; a nossa esteve sempre a funcionar.

O Elias permaneceu na sua até ao último dia dos seu 82 anos: "vende produtos de qualidade", "só tem um preço", ouvia-se... outros tempos.

Adeus Pai, deixei de ter a quem perguntar.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A unidade e o infinito de pé.

 Há aqui espaço para a unidade e o infinito de pé. Pareceu-me estranho a desproporção entre algarismos, no tipo Georgia, e por isso resolvi verificar no elegante Bodoni, ou no minimalista Gill Sans: bem sei que gostas do clássico Times New Roman, por isso estou a utilizar o mais parecido que tenho, mas vamos ao que interessa: inicias hoje nova volta ao Sol, e se ando às voltas de um número para pescar palavras e agarrar pensamentos, o certo é que atingiste a maioridade.

O pai, como sempre, recomenda-te umas leituras, hoje até com um título “pop”, ouvindo na cabeça o “Find a girl, settle down” da canção “Father And Son” do Cat Stevens, ou o nosso Ricardo Reis a dizer “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui”, a mãe, como sempre, uma “roupa nova”, ai tanto simbolismo no aparente banal, e nesta ambivalência vais crescendo, e estás quase feito, e estamos sempre a aprender.

voltas ao Sol!.. Muitos parabéns Gustavo, e nunca te esqueças, acima de tudo cavalheiro... cavalheiro: homem de boas ações e sentimentos nobres, dicionário dixit.


Post scriptum
  • Um Porto à nossa... à vossa...
  • A vida veio ter connosco à saída do cemitério: uma semente de tília rodopiava no ar, dei por ela e agarramo-la pelo olhar até poisar, peguei-lhe e mostrei-te o engenho: a natureza a funcionar. Ambos vimos pela primeira vez, e entendemos a forma diferente de uma "folha".

domingo, 13 de setembro de 2020

Notícia necrológica do nosso Elias.

Elias do Rosário da Silva
[Elias Carolino]
Pé da Serra - Amêndoa - Mação

Fotografia do seu Bilhete de Identidade, no ano de emissão: 2003, tinha 65 anos.

Cumpre a nós, esposa Laura, filho Carlos e filha Manuela, neto Gustavo, nora Roberta e genro Tiago, comunicar a morte por causas naturais do nosso Elias. O funeral realizou-se a 5 de setembro de 2020, no Cemitério de Benfica, em Lisboa.

Nasceu no Pé da Serra, a 1 de março de 1938, em casa de seus pais, e faleceu em Lisboa, a 4 de setembro de 2020, em sua casa, onde residia desde 1966, ano do seu casamento. De uma a outra, sempre pelo seu pé, percorreu 82 anos.

Por sua iniciativa arranjou trabalho e rumou a Lisboa, tinha 17 anos [1955]. Recordava sempre os conselhos da mãe Rosário e o desagrado do pai Américo, na hora da partida. Chegou com a vontade do poema Fala do Homem Nascido. Esteve empregado apenas 8 meses, despediu-se e começou a trabalhar por conta própria, subindo na vida a pulso, com aquele tino para o comércio, que tinha visto no seu adorado avó paterno Joaquim Carolino [Joaquim da Silva].

Como bom Carolino falava alto, e com o coração na bocaHomem de dar a quem precisava ou considerava, cioso dos seus juízos, e de palavra, foi um prático da vida. 

Reaprender a viver com a ausência, na saudade e na memória, no que de melhor nos legou: coragem, sagacidade e honestidade, e não cultivarmos em nós os seus defeitos: teimosia, mágoa e rigidez. Como um rito de passagem.

A todos os que estiveram presentes no funeral, de facto e ou pensamento, o nosso obrigado. Aos que não estiveram presentes por minha [Carlos] falta peço perdão: intencional palavra final, no tempo das espigas e das uvas.


[Texto em apreciação / reconstrução.] 



TEXTO FINAL PARA O JORNAL «VOZ DA MINHA TERRA»


Elias do Rosário da Silva
[Elias Carolino]
Amêndoa



Cumpre a nós, esposa Laura, filho Carlos e filha Manuela, neto Gustavo, nora Roberta e genro Tiago, comunicar a morte, por causas naturais, do nosso Elias. O funeral realizou-se a 5 de setembro de 2020, no Cemitério de Benfica, em Lisboa.

Nasceu no Pé da Serra, a 1 de março de 1938, em casa de seus pais, e faleceu em Lisboa, a 4 de setembro de 2020, em sua casa, onde residia desde 1966, ano do seu casamento. De uma a outra, sempre pelo seu pé até ao fim, percorreu, com coragem, sagacidade e honestidade, 82 anos.

A todos os que estiveram presentes no funeral, de facto e ou pensamento, o nosso obrigado. Aos que não estiveram presentes por minha falta [Carlos] peço perdão: intencional palavra final, no tempo das espigas e das uvas.

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Post scriptum


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Uma pele de raposa.

Comentou comigo que também caçava coelhos e raposas com armadilhas, como aquelas da notícia do jornal, e mostrou-me a fotografia:


A leitura do Correio da Manhã, no seu escritório do armazém, era uma rotina diária.

Teria 12 anos, e no local onde a armou não a encontrou, mas a vegetação rasteira estava revolvida, talvez do animal a se debater. Mas não se ficou por aqui, indagou nos meandros da aldeia e encontrou nas traseiras da casa do António Eugénio uma pele de raposa, preparada numa armação e a secar ao sol.

Foi ter com o seu pai, o meu avô Américo, e contou-lhe o sucedido. Este disse-lhe para ficar descansado, que iria falar com o homem. Assim foi, e quando o abordou perguntou-lhe se não teria encontrado uma armadilha com uma raposa: foi o meu rapaz que a armou. Prontamente lhe respondeu que sim, e disse-lhe: é um bom moço, ele que venha ter comigo, leva a armadilha e a pele já preparada.

Foi a última estória que o meu pai me contou, e posso dizer que é um bom resumo do que ele era: observador, inteligente [a professora pediu a seu pai para que prosseguisse os estudos, concluída a 4.ª classe], não baixava os braços facilmente, e honesto [atente-se na forma como pai e filho abordaram o problema]. Adjectivos facilmente comprováveis por quem com ele conviveu.

Tinha a sua vaidade e ciume, mas com parcimónia, palavra que aprendeu comigo e que passou a usar, mandão [como diz a minha mãe], não gostava de ser contrariado, e na disputa um leão [também era do Sporting], era a sua alcunha na escola primária dos Martinzes, onde andou e tinha família da parte da sua mãe. Não aceitava que lhe pisassem os calos, por vezes dado a extrapolações imaginativas, era a sua sagacidade, mas sempre bem disposto. Homem de dar a quem precisava ou considerava, cioso dos seus juízos, e de palavra. Um prático da vida: com 17 anos vem trabalhar para Lisboa [Rua do Convento da Encarnação], no emprego que ele próprio arranjou [Manuel da Silva Barreiros & Filhos, Lda.]. Passados 8 meses despede-se e começa a trabalhar por conta própria, até ao fim da vida.

Em desassossego, esqueci de mandar colocar as duas datas...


Nasceu no Pé da Serra, a 1 de março de 1938, em casa de seus pais.
Faleceu em Lisboa, a 4 de setembro de 2020, na sua residência.
De uma a outra, sempre pelo seu pé, percorreu 82 anos.

Adeus Pai... deixei de ter a quem perguntar.


P.S. Osvaldo, fico em falta para contigo, tu que és meu amigo de longa data, padrinho do único neto do Elias, e que estás sempre presente por tua iniciativa, esqueci-me de te dar a notícia. Só agora, ao escrever estas linhas, me dei conta. Paula, tu também.