segunda-feira, 6 de junho de 2022

Dezasseis, oitenta e seis, é.

 Perguntou pelo nome, que idade tens, de onde vens, quem são os teus pais, qual o curso, em que ano estás, e como vão as aulas... um calduço paternal. A partir desse momento fiquei registado na sua memória, e seria sempre tratado pelo nome, a preocupação de saber como estava, algum reparo ou incentivo a finalizar.

Às aulas de Doutrina Social da Igreja comecei por ir contrariado, mas que engano: a liberdade era total, o estar é porque quer, e o professor provocador não dava hipótese, só ia quem queria, faltar nem pensar! Recordo uma hilariante história do marxismo aos quadradinhos que desenhou no quadro, a giz, ao fazer o enquadramento histórico da matéria; mas também a importância do descanso de domingo, e como este simples pormenor toca a sociedade que somos e queremos ser. Se o ruido de fundo perturbava a exposição, voava um pedaço de giz da sua mão, por vezes certeiro.

Irreverente, até na maneira de se sentar, contava-se que, enquanto estudante de direito não facilitava a vida aos seus professores, pela exigência intelectual e extravagância que colocava nos trabalhos apresentados, como o que terá feito sobre o sistema jurídico japonês. Tivera namoradas, uma coleção de gravatas, vida noturna de estudante, até que veio o chamamento. Para mim o grande mistério, porque até hoje ainda procuro saber o que é a fé. Talvez o mote deste ano letivo, no Colégio São José do Ramalhão, do qual foi fundador e presidente da associação educativa que o possuiu, seja a chave [Simone Weil, AQUI]. Estive a ouvir a sua homilia Redescobrir o fundamento da nossa fé - Imaculada Conceição...

O falar peculiar, de arrastar os erres, num pensamento que fluía com clareza, precisão, em que a erudição despercebida encontrava o humor. Contava que em tempos de PREC, e perante uma assistência hostil, começava logo por lembrar as palavras de D. António: Há duas coisas de que nunca hei-de morrer: de parto e de medo.

Fui seu aluno, celebrou o casamento de, pelo menos, dois casais de colegas nossos, e da curta convivência, passadas três décadas, é o homem desarmante que me continua a encantar, e arrependo-me de não ter passado pela Capelania, ao tempo de estudante. Mesmo assim, o Padre João Seabra está comigo.

A Missa Exequial vai ser celebrada esta segunda-feira, às 10h00, na Sé de Lisboa.


Pelas fotos, pelos títulos, pela possibilidade de conhecer melhor quem foi, eis porque estão aqui estas sugestões de leitura, que podem encontrar AQUI e AQUI.
O seu primeiro trabalho académico de grande envergadura foi sobre o ilustre maçaense Padre António Pereira de Figueiredo, AQUI.



















P.S. O meu número de estudante era 16/86-E.