segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Interposição.

 

O Sol grafita,
na mesma cor,
formas movediças,
planos do preciso momento.

Sem palavras,
a outra revolução
não inventa,
e desfaz-se numa nuvem.


Volta se houver permanência,
na rotação assegurada.

domingo, 18 de setembro de 2022

Pele de papel.

 Mar Egeu... foi pelo fim que os olhos pegaram, o título prometia, mas afinal era o número 8 de Os Melhores Romances de Aventuras, edição da Livraria Clássica Editora de 1934. De seguida índice, procurar o colofão [original inglês de Christine Campbell Thomson: The Incredible Island], impresso no Porto, duas a três páginas de leitura dispersa, voltei a colocar no topo da pilha.

Voltei a pegar...





















A capa... a textura da capa: mar, pela sugestão do título, veios lenhosos, pela cor e forma, impressões digitais... remoinhos "vangoguianos". Em bom estado de conservação, consegui ler na contracapa:

PAULINO ENC.
TRINDADE  ??
L  I  S  B  O  A

Ha lojas que, embora não seja essa a sua especialidade, fazem mais negocio em livros do que no seu commercio, como são as tabacarias, kiosques, bengaleiros dos theatros e até á porta de algumas tabernas, como por exemplo, aquella da rua do Arsenal, onde um velho alfarrabista assenta os seus arraiaes, vendendo livros, juntamente com boquilhas, pentes e bujigangas diversas.

Depois, as encadernações chamam muito a attenção do transeunte. Num livro, pode o seu conteúdo não prestar, ser completamente falho de interesse, não conter litteratura; mas a presente-se com uma capa bonita, chic, e verá como desapparece do mercado e se exgotta a edição n'um instante.

O livro parece-se um pouco com aquellas mulheres que, embora não sejam bonitas, sabem vestir com elegancia, apresentando-se por essas ruas nuns requintes de distincção e desafiando os homens á conquista do supremo gozo, á illusão dos sentidos.

O livro é tambem uma illusão dos sentidos.

E, assim como a parte propriamente typographica d'um livro, depende bastante da impressão, isto é, do artista que o imprime, assim tambem estas duas dependem da outra parte annexa que se chama encadernação, e é n'ella que está realmente o desideratum da aceitação ou regeição da obra.



Assim...

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Azulejos...

 Tatuadas no corpo quatro frases; basta uma para acertar no concurso da TV. O namorado, noivo, futuro marido, não soube responder, sabe que existem. Provavelmente a namorada, noiva, futura esposa, fê-las para se "expressar", algo suficiente - ambíguo, se mostrar, mas o mais certo é "passarem" por tatuagens.

Bem vistas as coisa, é difícil sair do nosso centro de mundo, porque o é mesmo. Espelhos e ecos ajudam um pouco, mas o ecrã sai por baixo da testa, e na ressonância perdemos a noção da inconveniência. Nos extremos da alegria e da aflição é mais fácil encontrar um denominador comum, e compor o painel com lógica. Certo é desfilarmos a nossa "feira de vaidades",  e então é fácil criar o perfeito painel desconexo. Bombardeamo-nos com restos regurgitados, e pactuamos com isso.

Talvez por isso estas imagens me sejam tão sedutoras...




No meu ecrã, por baixo da testa, Capela-mor do
Convento da Madre de Deus de Xabregas de Lisboa.


A decadência de um ser nunca é súbita.
É preparada de longa data por múltiplos abandonos.
in "O Lobo Milagreiro" de Raymond Léopold Bruckberger.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Férias...

Fiz coisas diferentes: revi familiares, percorri serranias, molhei o corpo ao ar livre, vivo no cansaço, senti a Terra ao abandono, as árvores no seu conjunto, os novos sobreiros plantados pelas aves. Parti com um credo: não tomar decisões pelo medo ou fraqueza... resisti, mas não me livrei de trazer novas preocupações.












Sarcásticas.

domingo, 31 de julho de 2022

Englishness, talvez, mas não tanto...

Fotogramas do filme The Last Bus, que teimosamente continuo a memorizar como A Última Paragem, descortinam um certo palavreado que associo à ideia de Englishness, e expressões faciais de desconforto na proximidade e afastamento de propósitos: medem-se pensamentos?








Bem vistas as coisas temos o, nosso, improviso nacional e o deixa andar, mas no claustrofóbico cara a cara teria saído alguma palavra sobre o tempo.

Subtilezas.

domingo, 24 de julho de 2022

Porquê folhas?


Pelo soturno



Pela ferrugem



Pelo inusitado; 
a folha dobrada que diz: vem!



Pelo princípio e fim



Pela 
estridência



Pela forma e cor



Pelo augúrio



Pela metáfora



Pelo bordado



Pela arquitetura.


Porque tenho olhado mais para o chão
Porque são belas.

Porque há acasos como este, em que se descobre uma bela capitular, para um livro.



P.S. E que letra seria?

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Dezasseis, oitenta e seis, é.

 Perguntou pelo nome, que idade tens, de onde vens, quem são os teus pais, qual o curso, em que ano estás, e como vão as aulas... um calduço paternal. A partir desse momento fiquei registado na sua memória, e seria sempre tratado pelo nome, a preocupação de saber como estava, algum reparo ou incentivo a finalizar.

Às aulas de Doutrina Social da Igreja comecei por ir contrariado, mas que engano: a liberdade era total, o estar é porque quer, e o professor provocador não dava hipótese, só ia quem queria, faltar nem pensar! Recordo uma hilariante história do marxismo aos quadradinhos que desenhou no quadro, a giz, ao fazer o enquadramento histórico da matéria; mas também a importância do descanso de domingo, e como este simples pormenor toca a sociedade que somos e queremos ser. Se o ruido de fundo perturbava a exposição, voava um pedaço de giz da sua mão, por vezes certeiro.

Irreverente, até na maneira de se sentar, contava-se que, enquanto estudante de direito não facilitava a vida aos seus professores, pela exigência intelectual e extravagância que colocava nos trabalhos apresentados, como o que terá feito sobre o sistema jurídico japonês. Tivera namoradas, uma coleção de gravatas, vida noturna de estudante, até que veio o chamamento. Para mim o grande mistério, porque até hoje ainda procuro saber o que é a fé. Talvez o mote deste ano letivo, no Colégio São José do Ramalhão, do qual foi fundador e presidente da associação educativa que o possuiu, seja a chave [Simone Weil, AQUI]. Estive a ouvir a sua homilia Redescobrir o fundamento da nossa fé - Imaculada Conceição...

O falar peculiar, de arrastar os erres, num pensamento que fluía com clareza, precisão, em que a erudição despercebida encontrava o humor. Contava que em tempos de PREC, e perante uma assistência hostil, começava logo por lembrar as palavras de D. António: Há duas coisas de que nunca hei-de morrer: de parto e de medo.

Fui seu aluno, celebrou o casamento de, pelo menos, dois casais de colegas nossos, e da curta convivência, passadas três décadas, é o homem desarmante que me continua a encantar, e arrependo-me de não ter passado pela Capelania, ao tempo de estudante. Mesmo assim, o Padre João Seabra está comigo.

A Missa Exequial vai ser celebrada esta segunda-feira, às 10h00, na Sé de Lisboa.


Pelas fotos, pelos títulos, pela possibilidade de conhecer melhor quem foi, eis porque estão aqui estas sugestões de leitura, que podem encontrar AQUI e AQUI.
O seu primeiro trabalho académico de grande envergadura foi sobre o ilustre maçaense Padre António Pereira de Figueiredo, AQUI.



















P.S. O meu número de estudante era 16/86-E.


domingo, 22 de maio de 2022

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Caminho [substantivo].



Fui coisa nenhuma
Tenho coisa alguma
Traço de virtude
Beleza aferindo
Contraexemplo de viver


P.S. "Mais um, menos um": em jeito de aforismo, na boca de Rose.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Tapete.



Ao vago padrão
Aprecei-lhe o nome
Faltou-me experimentar a ideia...


P.S. Para a Sandra que tão bem vê.

sábado, 16 de abril de 2022

Altar...





Contemplado, rugia, a baforada gordurosa e salina, o cheiro forte a iodo, o imaginado manto branco que não caíu em mim...

Que pena não sentir o corpo frio e molhado,
Trono de mar bravo.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Sexta-feira.





Papoilas à espreita: saída do IC19 para a Amadora, sentido Lisboa-Sintra.

Sentia-lhe a falta, tardava a encontrá-las, e hoje foi o dia, premeditado.

Provavelmente os ritos agrícolas encontraram na papoila uma representação ideal do ciclo nascimento – morte – renascimento, reflectindo as propriedades da papoila como indutor do sono e da morte mas simultaneamente como planta cultivável e de uso alimentar, que seguia os ciclos normais da agricultura (Outono – morte; Inverno – sementes no campo; Primavera – nascimento de uma nova planta, renascimento. [AQUI, página 587]

Para a etimologia da forma portuguesa papoila, é indicada como fonte provável, o moçárabe habapáura, derivado do latim papāvĕrem. [AQUI, página 28]

[...] 

E também esta história:

La apapoula cumo era guapa, dezie-le al trigo: Mira, cumo sou bien guapa, mil amigo. Berde i biçosa sou mais guapa qu’ua rosa. Mas nisto passala l labrador, l trigo anchie-lo d’afagos i a l’apapoula cortába-le la flor. Filhos, ye buono tener fermosura, mas ser baidosa nun tem bintura.




A cor da promessa de ressurreição após a morte.