domingo, 25 de novembro de 2018

Uma janela de Janus... uma de três estações.

Daquelas que nos permitem ver do interior para o exterior,



mas também o olhar para a frente, e o olhar para trás, como os dois rostos do deus Janus.

Estava longe de imaginar que iria aqui ter, foi um ato de teimosia e revolta, numa pequena vida comercial que, felizmente, me obrigou a andar por perto. Será que estas estátuas são

Primavera [Helena] — Verão [Raquel] — Outono [Màmía]
São Pedro de Sintra

parecidas com as da Ribafria?


Primavera — Verão — Outono
Quinta da Ribafria

Longe disso, em tudo soturnas, o oposto das solares que encontrei em São Pedro de Sintra, no mesmo dia plúmbeo.

E foi então que, no mesmo dia, vi esta janela pintada pela Màmía... Quiet room, o nome do quadro é em si um mistério para mim... em inglês?... o resto é momento de despojada introspeção, na serenidade e no silêncio: outono.


Aqui há mais...

E foi assim que me veio a associação, talvez porque estamos no tempo da melancolia: a Màmía é o outono, a Raquel o verão, e a Helena a primavera, esculpidas assim as três irmãs como as vi em São Pedro de Sintra. De tarde assisti à conferência «Um nome maior: Màmía Roque Gameiro (1901-1996) – Pintura e Ilustração», seguida de visita guiada na Casa Roque Gameiro.


Findo o dia, cuja data apresento acima na grafia de pessoa amiga, começaram outras associações decorrentes do título do quadro: Quiet room... ver tudo... silêncio... e apontaram diretamente para o livro de haikus, que já tinha lido, «A Papoila e o Monge» de José Tolentino Mendonça. Apesar de começada e publicada, esta mensagem ficou em maturação, à espera de um pouco mais, e foi assim que, relendo, escolhi um poema para cada uma das irmãs.

Para a outonal Màmía, o da página 15 [93 e 156 também foram opções]:

O silêncio só raramente é vazio
diz alguma coisa
diz o que não é

Para a estival Raquel, seara extensa não amedrontava a sua mão certeira, o da página 22 [75 e 147 as opções preteridas]:

O silêncio não é um modo
de repouso ou suspensão
mas de resistência

Para a primaveril Helena, que também pintou crisântemos, o da página 31 [173 a outra opção]:

Silêncio:
nem um grão de poeira
na brancura do crisântemo

Curiosamente as exposições que foram ocorrendo na Casa Roque Gameiro, sobre as três irmãs, acabaram por se encaixar na sequência natural das estações, independente da sua ordem biológica, ou da minha vontade de associar o que não passa de um devaneio meu [revejo-me nestes três silêncios].

domingo, 11 de novembro de 2018

Balseiro...

«Um dia vieram dizer a Martinho que um leproso vivia sòzinho no fundo dum balseiro longe do povoado. Foi lá vê-lo, tratou-o e pô-lo limpo e rijo tal como fora».

Provavelmente não saberá o que é um balseiro, quando muito uma balsa, mas não na acepção da palavra que utilizamos em Mação e Vila de Rei: um amontoado de silvas.

Encontrei mais palavras e expressões, que nos são familiares na nossa região, no seguinte livro do padre jesuíta João Maia:



Por ordem de ocorrência, passo a citar:

  • com esse fito
  • mocito
  • o pião e a baraça
  • medronhos
  • casalito das cercanias
  • andor que se atrasa o vapor
  • homenzarrão
  • a modo de
  • levar couro e cabelo
  • balseiro
  • quintarola
  • vilório
  • homem desaustinado
  • abalara para longe
  • escapuliu-se
  • deram tento disto
  • e topam com
  • entraram de roldão
  • deram às de vila-diogo [desconhecia o significado, que encontrei AQUI e AQUI]
  • e foi escavacar-se
  • foi aonde
  • a ver se topava um sítio azado
  • jornadeando
  • que ia numa brasa
  • e de mão alçada
  • cabeçorras
  • deu-lhe na cabeça
  • muito ancho e agradado
  • golitos [não é futebol]
  • em festa desabalada

Chamo a atenção para os diminutivos em -ito, vulgares na nossa região, e a referência ao medronheiro fora do contexto geográfico em que viveu Martinho de Tours.

Comecei por este livro porque foi o primeiro que encontrei num cantinho da Biblioteca Municipal José Cardoso Pires, em Vila de Rei [fotografei-o a 05/08/2013 / 11:38:20]. Chamou-me a atenção o ilustrado São Martinho na capa, e foi desta forma prosaica que se revelou o meu interesse. Deambulei por alfarrabistas na internete [pode-se escrever assim, como descobri AQUI] mas não encontrei o livro,  e sem querer, na montra da Livraria Nunes, no mês passado, lá estava ele, acompanhado pelo Santo António, cinco anos tinham passado.



A sua leitura revelou mais palavras e expressões que me eram familiares. Passo a citar, por ordem de ocorrência:

  • luzir
  • Fernandito
  • Que é que dali sairia?
  • tino
  • mocelho
  • adentro [muitas vezes na construção das frases]
  • alcatruzes
  • roldão
  • jogando o fito e a bilharda
  • barbaças
  • mão alçada
  • berrava o mandão
  • ventas
  • trazer de azorro
  • frestas
  • saquitel
  • surrobeco
  • capelita
  • todo lesto
  • ajoujada
  • abalou / abalar
  • bufando
  • de plantão
  • casinhoto
  • entaramelou-se a voz
  • mais bastos que tortulhos
  • olhitos dos peixes
  • esbarrondarem-se
  • fradinho
  • foi-se prantar diante da
  • enxotaram-no
  • se ajuntaram
  • estalou de repente
  • burrito tropiqueiro
  • choupana
  • arrecuas
  • desarvoravam de casa
  • santinho
  • atefegar
  • assomadiços
  • tanganhos
  • carripana
  • tranquitana
  • conventinho
  • primeiro relance
  • esbagoava
  • escavacar
  • traquinou

No mesmo alfarrabista consegui mais dois volumes da coleção Verbo ABC Vidas de Santos: Nossa Senhora, Mãe de Deus e A Vida de S. Paulo. Em ambos a escrita é diferente, para surpresa minha, que esperava encontrar mais palavras e expressões da nossa terra. Existe mais um volume da coleção, dedicado a S. Francisco de Assis, que ainda não consegui encontrar. Parece que o padre João Maia, natural da freguesia de Fundada, concelho de Vila de Rei, revisitou a sua infância neste dois volumes, mas não nos outros dois, mais formais [foi assim?].

Entretanto descobri a versão francesa do mesmo volume sobre o Santo António, que obviamente tem a designação oficial "de Pádua". É uma edição de 1964, a nossa é de 1971, e ambas têm a mesma estrutura, pois são adaptações do texto de Joseph Quadflieg, com ilustrações, belíssimas, de Émile Probst. Em França o livro pertence à coleção Hommes de Dieu, com mais volumes, e por ordem diferente da nossa. Existem também edições em inglês, holandês e alemão, que suspeito ser a edição original.


O padre João Maia foi um homem da cultura, na escrita e na rádio, poeta e empenhado colaborador da Revista Brotéria [Na morte de Ezra Pound, AQUI. Escolhi este artigo, entre outros possíveis, por causa de Veneza, foi lá que morreu Ezra Pound, e também da sua ligação a Yeats, que escreveu The Folly of Being Comforted. E tudo isto é tão desconexo, como a imponderabilidade que move o meu quotidiano sem sentido, de tão pesados e efémeros acasos. Tem tudo a ver comigo, e nada convosco. Peço perdão]. Em sua memória, e no encalço do seu legado, instituiu a Câmara Municipal de Vila de Rei os prémios literário, pintura e desenho, e de fotografiaAlguma Psicologia das Virtudes Com Exemplos a Condizer, AQUI.

Termino como começa o livro, porque hoje é Dia de São Martinho, e porque a mensagem é simples, como tudo o que é importante:

Entre o ter tudo, e o não ter nada, existe o equilíbrio para bem de todos.
[Cogito... basta cortar ao meio a capa. Mal andamos quando assim não é.]

«Pelo S. Martinho prova o vinho!» Temos ouvido este conselho tanta vez que nos chegou a vontade de conhecer este santo que nos manda empunhar a caneca e, se o vinho for bom, não se importa que demos três estalos com a língua! Santos desses é que nós precisamos, pois o mundo vai cheio de tristezas que, além de não pagarem dívidas, fazem as pessoas arrenegadas, minguam a saúde e, se calha, até põem a gente à beira da cova. S. Martinho não quer isso e, na sua festa, quer que entremos, pela calada ou em magote, com os amigos, na fresca adega e provemos o fruto da videira para ficarmos alegres sem demais. Um santo assim, tão nosso amigo que até abençoa o tonel, merece ser conhecido. Vamos ver quem ele era...»


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Post scriptum

Chove copiosamente [11h45], não há rasto do verão de São Martinho. Tempos de mudança que nos podem ser muito desfavoráveis, com novos equilíbrios em formação [já houve cinco extinções em massa]. Milhares de anos de evolução estão a ser pulverizados em menos de dois séculos, até em termos culturais [homem - caça, mulher - agricultura]. Não é o indivíduo que conta, mas a espécie. O indivíduo é importante enquanto elo da vida. Erradicar a vida não é fácil, mas sim o indivíduo, a espécie. Recursos exauridos a uma velocidade estonteante, uma cultura de desperdício instalada, num mundo sobrepovoado, em que se vende a ilusão do crescimento económico contínuo [isso não existe num espaço físico limitado [a Terra é um sistema fechado, há trocas de energia mas não de matéria: é desprezável o contributo dos meteoritos]. Hoje a questão é como decrescer [há muito ruído ideológico no conceito], para um patamar sustentável, e isso vai implicar obrigatoriamente alterações drásticas nos padrões de consumo, e do que se entende por bem-estar ocidental. Exige renuncia e determinação. O desmame não vai ser fácil. Quanto mais tarde pior.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O outono prossegue...

no arco-íris...




nos ouriços...



Foto encenada por mim. Os ouriços estavam junto do ecoponto amarelo, perto de casa. Não picam tanto como parece, e o pormenor do "penacho" viçoso quase que os animaliza. Entretanto caíram mais :)


no "Pão por Deus"...


Pão por Deus,

Pão por Deus,
Saco cheio
Vamos com Deus.

Luz, formas e tempos, de ser e acontecer... amendoados.
Ao meu redor, esta semana.

Que se serve assim...
Na bancada, ou na mesa
O importante é dar pelo presente
Marca de essencialidade




Tributo a "aromas maduros de suaves outonos".