domingo, 31 de dezembro de 2017

Alcance prático.

"porque nada educaria melhor os moços e melhor livraria os velhos da vilania"

Escreveu Mário Dionísio no seu estudo sobre Van Gogh, primeiro parágrafo da página 6; e foi assim que encontrei um trocadilho: um livro livra, a propósito de livraria.  O livro acompanhou-me porque é fácil de ler... letra grande e assunto de remoer [contradição?].

As portas apareceram sem as procurar, mas a que procuro não se abre...



Portas da Basílica da Santíssima Trindade em Fátima.




Um acidente com o tempo, uma forma de luz que se encontra. Não resolve nada, mas no vaivém...


Primeiro dos catorze painéis da via sacra da Basílica de Fátima realizados por Lino António [JESUS É CONDENADO À MORTE].

para além da geometria, ouço a explicação do suportai... ajudai-vos uns aos outros, a construção do sentido de comunidade... não te resignes num grito lancinante de silêncio/afasia [acrescento eu].


Minha trindade.

"Ver implica a descodificação dessa ínfima parte do espectro luminoso que atinge a retina e numa fracção de segundo invade a nossa consciência, dando-nos a conhecer a «realidade visual» - «aquilo que se vê e se faz ver» - que, de certa forma, nos é familiar."

Escreveu Ana Mantero no artigo "Roque Gameiro, o desejo de pintar o «visível», segundo parágrafo da página 30 do catálogo da exposição «ROQUE GAMEIRO, O Mar, A Serra, A Cidade».

"Na velha dicotomia entre natureza e ambiente (em inglês, "nature vs nurture"), o ambiente tem um papel muito importante quando se trata de correlações que se estendem ao longo de várias gerações."

Escreveu Luís Cabral sobre "O Bisavô Alfredo", quarto parágrafo da página 36 do citado catálogo anterior, mais as palavras que desgarrei do parágrafo seguinte: bondade, capacidade de observação, noção de escala, distinção entre o acessório e o essencial, o belo como valor natural e transcendental, os gostos que não se discutem... mas educam-se, o bem que se herda e se semeia.

E qual o alcance prático de tudo isto? Desconjuntado, quebrado o embalo do início do dia, a ruminar o dia anterior, e na ânsia de acabar antes do fim do ano, sem entretanto ter pensado mais, fica assim mesmo, o que estou a passar em Fátima. E continua.


P.S. As fontes e o objeto [partido: fácil de arranjar, e um significado onde o não há: porque partiu o que segura o tempo?] do acaso:



Uma charada...

domingo, 17 de dezembro de 2017

Lembra uma árvore...



para lembrar o Natal.

Feito por mim, apartir de uma ilustração da Raquel Roque Gameiro para o livro O Mandarim de Eça de Queiroz, edição da Livraria Chardron, 1927. Será que [ainda] acontece o que na página se descreve?



lico suspiro, uma ondulação eolia, que se perdia nos ares pallidos...


Feliz Natal a todos Vós [lista aleatorizada com recurso AQUI]

There were 24 items in your list. Here they are in random order:

Manuel e Conceição
Vasco
Patrick
Clayton, Socorro, Luísa e Neto
Ricardo, Lia e Alice
Paulo, Carmen, Guilherme e Rúben
São e Urso
José, Maria, Laura e Leonor
Fernando, Carla, Afonso e Gil
Samuel e Francisca
Osvaldo
Paula, Paulo e João
Manuela, Paulo e Rita
Ana e Sara
Sandra
Almir e Kalliopy
José C.
Paula e Carolina
José S.
Jorge, Inês e Gonçalo
Elvira, Carlos e Inês
Luís
Manuela e Tiago
Danielle, Clara, Pedro e Alexandre

IP: 93.108.128.41
Timestamp: 2017-12-17 16:41:11 UTC

Luva.

Matéria prima existe, a ideia está esnavalhada, em tudo se nota a imperfeição... perdão, na concretização sim, é o fraco domínio do Photoshop, e a pressa de deitar cá para fora, no resto a esplendorosa miséria de uma...


mão vivida [eufemismo].
Cada um tem a sua, faz a sua, passa a sua.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Manchar.

A Raquel "mancha como ninguém" [página 22 do catálogo]... a paragona rude, o aparente conflito na palavra com a beleza do que pinta, a curiosidade de saber o que é a técnica da aguarela, e a companhia desafiadora [ou terei sido eu?] da minha irmã, levaram-nos à oficina de ilustração em aguarela, orientada pelo Tiago Costa [Programação AQUI].

Materiais, técnicas base, e começar a experimentar: literalmente manchar o papel, como deslizar o pincel, tentar controlar, procurar a intenção. Conseguir primeiro a homogeneidade da mancha, depois o ascendente clarear, ou o descendente escurecer, a diluição, o excesso, jogar com o tempo de secagem. Outros recursos, menos clássicos, para produzir texturas, definir limites mais ou menos precisos, demarcar áreas que se querem proteger.

O Tiago vai observando e orientando, ajudando a direcionar [educar]  o nosso olhar, para que este desencadeie a ordem no cérebro de cada um, e imprima na mão o movimento, que por sua vez irá desencadear novo impulso visual, e tátil [só dei por ele agora, ao escrever, de tão absorto que estava no momento], recomeçando tudo de novo. Método de tentativa, erro e aproximação, consumação por etapas, em que se convoca, em torno do pivot [cérebro], sentidos e músculos, numa simbiose em que, às tantas, não se sabe quem influencia quem.

Apetrechados e experimentados no básico, avançámos para a recri[e]ação, tendo por base reproduções de obras da Raquel. No nosso caso não houve grandes dúvidas, obra escolhida, por razões diversas:



 o rosto da jovem mulher de São Tomé, o feminino africano, no teu caso [Manuela]...



a mão no joelho... ainda fui tentado pelos pés, mas como estabelecer a ligação sem o corpo [complicava, e muito, no desenhar, e depois o manchar]. Encontrei algum sossego na simetria, descobri a cesta, pormenor bonito [e difícil, descobri depois].



A composição bem prosaica: mão na cesta, mas depois ainda veio a angustia de a encher, e acabou vazia. Desenho tosco, luz e sombras aleatórias, tempos de secagem obliterados, a mancha manchada, dificuldade em conter diluições no espaço definido, completa ausência de estratégia de pintura: definição e articulação das diferentes camadas/fases da pintura por forma a conseguir o resultado final. Resultado:




Não foi fácil, nem o esperava, efémero contato, fatal porque não tenciono continuar [nunca digas desta água não voltarei a beber], mas que me dá um novo olhar sobre as obras, no pormenor e na destreza de uma mão soberana como a da Raquel... mão inteligente.

A oficina foi concorrida, mas ficou por satisfazer uma curiosidade [falta minha, não me ocorreu perguntar]: quantos dos presentes visitaram a exposição? Públicos distintos, estanques ou osmóticos?

domingo, 3 de dezembro de 2017

Voar...

Uma exposição retrospetiva congrega obra dispersa, dá a entender, descobre sentidos, arrasta-nos para a aventura de uma vida.

Uma visita guiada à exposição "Mão Inteligente: Raquel Roque Gameiro (1889-1970) - Ilustração e Aguarela" pela sua comissária, a Prof.ª Sandra Leandro, é um convite a voar sobre a obra da artista, mas ao mesmo tempo pousar docemente sobre os pormenores, ter uma explicação mais técnica se solicitada [dá espaço às limitações de cada um], ser surpreendido com novas descobertas [para além da exposição a investigação prossegue].


Auto-retrato com as filhas Ana, Manuela e Guida [e uma criada] na Foz do Arelho [?], 1916 [Raquel tinha 27 anos].





























A suspeita inicial apontava para a Foz do Arelho [página 6 do catálogo], novo contributo aponta para São Martinho do Porto [por causa das ruínas representadas], e assim, com desvelo, a novidade nos foi anunciada. O José Carlos achou delicioso o pormenor da botina [?] no pé da Raquel, que borda. A fofura/intimidade da composição, o traço preciso... "mancha como ninguém" [página 22 do catálogo]. As mãos [que sustentam, que procuram, que se aplicam]...


À hora do chá, 1919 [Raquel tinha 30 anos].

As grades no espelho [a condição feminina?], o rosto suspirado, o retratado que a criada olha... uma estória que se desenrola, ou não, na cabeça de quem passa... os tecidos, as madeiras, ou a mais prosaica formosura, o tentar adivinhar o estilo do mobiliário. Todos chegaram um pouco, mas um pouco mais além...


Estudo [fiando na cozinha], c. 1930 [Raquel teria 41 anos].

As imagens e símbolos ancestrais [o leito para lá das cortinas], o nosso inconsciente colectivo, que nos percorre ao longo da vida [as várias idades da mulher, no apanhado de imagens anteriores].


[Mulher de S. Tomé], 1953 [Raquel tinha 64 anos].

A personalidade, o contraste, a cor... é o teu preferido Manuela [mana]. Esta mulher faz pela vida.

Os pormenores que escapam, mas estão lá: pés sujos em "Descamisado o milho"...


Descamisando o milho [pormenor], 1957 [Raquel tinha 68 anos].

ou a cauda do gato em "Tavira". Com maior ou menor rapidez, a percepção visual de cada um vai descobrindo a vida que se desenrola ao redor de uma imponente chaminé, num horizonte de "telhados de tesouro"...



Tavira [pormenor], 1960 [Raquel tinha 71 anos].

A Raquel foi uma incansável ilustradora. Nesse "voo", nessas "águas", foi soberana, não só pela qualidade na quantidade, literalmente um traço firme e desassombrado, que nos leva a pairar, no enquadramento, mas também no apelo à sua fantasia que nos oferece [mil e uma...] .

Desafiando a gravidade... não é só o óbvio, olhem para o barrete.
Ilustração, c. 1903 [Raquel teria 14 anos].

Fiquei encantado com as flores de cardo da Raquel [pormenor que resolveu uma dúvida minha, pela busca que suscitou]. Esta ilustração era acompanhada por uma seistilha, que substituo pelo poema do João Monge [cantado pela Aldina Duarte].


Maria da Saudade, c. 1930 [Raquel teria 41 anos].

Dói-me ser a flor do cardo
Não ter a mão de ninguém;
Tenho a estranha natureza
De florir com a tristeza
E com ela me dar bem

Dói-me o Tejo, dói-me a lua
Dói-me a luz dessa aguarela
Tudo o que foi criação
Se transforma em solidão
Visto da minha janela

O tempo não me diz nada
Já nada em mim se consome
Não sou princípio nem fim
Já nada chama por mim
Até me dói o meu nome

Dói-me ser a flor do cardo
Não ter a mão de ninguém
Hei-de ser cravo encarnado
Que vive em pé separado
E acaba na mão de alguém

Sem querer, nem sequer sonhava que iria terminar esta mensagem assim [com o poema do João Monge], porventura descontextualizado, não da ilustração, mas da vida da Raquel, fica o convite para desbravarem primeiro a exposição, e depois assistirem à próxima visita guiada no dia 24 de fevereiro de 2018, às 15h.

O catálogo tem muitos pormenores interessantes [porque ajudam a entender e a avançar] como ESTE.

É a minha recr[i]/[e]ação.


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P.S. A Raquel tinha a "mania dos postais", que eu desconhecia quando escrevi a mensagem "Almourol?... Almourol!... Almourol". Estas quadras deliciosas foram-lhe dedicadas [página 17 do catálogo]:

Bonitos bilhetes
Postaes illustrados
Ninguem terá tantos
Nem mais apurados

Tem duzias, tem centos
Milheiros, milhões;
Dez mil albuns cheios
Com taes colecções

Aquilo só visto!
Que grande Babel!
Que forte mania
Que tem a Raquel!

Mais tarde descobri, e comprei, um postal ilustrado datado de 6 de outubro de 1910 [pescadores da Nazaré], se a memória não me falha, endereçado à Raquel, que não sei onde está, perdido na minha pequena Babel [também gosto de postais ilustrados como a Raquel]. Uma estória recambolesca que lembra um episódio contado por Umberto Eco.

A legenda diz Raquel Roque Gameiro, mas não é!... é a sua irmã Helena. O que suspeitei, e me confundiu durante algum tempo, foi agora desvendado pela Prof.ª Sandra Leandro.


Imagem da Hemeroteca Digital, AQUI.