domingo, 28 de maio de 2017

À boleia...

Apanhei-te no domingo [passado], afixei-te na parede da cozinha, andaste comigo na folha que ficou ao lado do travão de mão. Só passados alguns dias te entendi.


CRAS INGENS ITERABIMUS AEQUOR
Amanhã enfrentaremos de novo o mar infinito

AQUI Revista Monumentos 26, página 248, nota 51

É o permanente desafio e tensão que se renovam a cada dia.

Apanhei-te a meio da semana, penso que a propósito do Gutenberg [por causa do lápis que me ofereceste prima], era uma expressão latina, tive o cuidado de juntar o link onde te encontrei, juntamente com outros numa mensagem, assim o pensei mas não te encontro. Puxo pela memória mas nem uma réstia.




Apanhei-te ontem, sábado, e foi a súmula das voltas que dou e que não sei para quê.


A vida é o que acontece enquanto estamos ocupados a tratar de outros planos AQUI Revista Ler, Primavera 2017, página 39

De segunda a quinta a besta de carga tende a sobrepor-se aos lampejos na mente, o cansaço dá a estocada final.

Como um código morse sem sentido tudo volta a acontecer no próximo fim de semana... desconexo.

AGUENTA... ENDURE...

domingo, 21 de maio de 2017

Stuart preparador.


Clique para ampliar.

Encontrei esta imagem no «Epistolário de José Leite de Vasconcelos» (Suplemento a "O Arqueólogo Português; 1). Fiquei intrigado sobre a ligação entre os dois.

Sem querer, descobri no texto do Guilherme d'Oliveira Martins, inserido no livro «José Leite de Vasconcelos (1858-1941) – Peregrino do Saber», página 31, a seguinte passagem:

Com ele colaboraram artistas: Stuart de Carvalhais, como preparador, e Francisco Valença, como desenhador.

Ativada a memória e estabelecida a ligação, temos os primórdios do Stuart, não como desenhador, então com 22 anos (Leite de Vasconcelos tinha 51 anos), tornando até inteligível o desenho: todos aqueles artefactos e ossos, o seu trabalho de preparador.

E como terá conseguido este trabalho?

Compaixão

A semana revelou-se atribulada, mas nas palavras escritas (quase a adivinhar o que iria acontecer): «Compreendo perfeitamente e identifico-me. O máximo de coragem para levar para a frente essa empreitada. [...] Somos sempre bons a dar conselhos, o pior é vivê-los», ou nas palavras proferidas: «vem cá trazer as mercadorias», sem  mais mas, uma verdadeira mão estendida, senti e encontrei alento. Obrigado a vós. A palavra título é isso mesmo.

sábado, 13 de maio de 2017

Mater dolorosa?

Frações de segundo podem fazer a diferença, o contexto, o antes e o depois. Visto assim parece, mas pode não ser. A dor física, a tristeza na privação da liberdade, o sofrimento que é sentido pelas várias formas de vida, certamente maior quanto mais complexo for o seu sistema nervoso.

E como será sentida, pressentida, a morte pelos primatas [ordem à qual pertencemos]? Os humanos têm consciência da sua finitude, a primeira causa de melancolia, mas os outros primatas?

A etologia, ciência que estuda o comportamento animal, e que nos pode ajudar a compreender o nosso próprio comportamento por via do processo evolutivo que nos moldou apartir de antepassados comuns, passou a estar no meu interesse por causa da seguinte foto.


Foto retirada DAQUI.


Tentar compreender o que realmente estaria a acontecer [ó pretensão!], e não alinhar na corrente de sentimentalismo à volta de uma imagem que se tornou viral.

A primeira palavra que me ocorreu quando vi a foto foi Pietà... sim, a que foi esculpida por Miguel Ângelo, só que não bate certo: os filhos estão parecidos, mas as mães divergem na direção do olhar e na expressão do rosto. Explicando melhor, não é tentar encontrar um entendimento com base na coincidência imagética, mas foi apartir dela, ou melhor da não coincidência, que me apercebi que a escultura é uma visão idealizada da dor de mãe, a fotografia é um acaso de circunstância, em que não sabemos o que aconteceu. A escultura, enquanto representação do real, é "perturbada" pela cultura, e a fotografia, enquanto imagem do real, é "perturbada" pelo antropocentrismo. Não posso inferir comportamento humano onde ele não está: a macaca não é um ser humano e a escultura é uma estilização de um sentimento.

Na sebenta da cadeira de Etologia lecionada pelo Prof. Dr. Frank Dellinger na Universidade da Madeira encontrei esta deliciosa "revelação":

[...] o poema "O Rouxinol" da Viscondessa das Nogueiras, Matilde Bettencourt: 

O mago cantor da noite
Inspirou-me a frouxa mente,
Nessa hora em que gorgeia
Seus amores docemente

De facto, o que a poetisa não sabia, é que o canto do rouxinol macho tem a função de manter outros machos fora do seu território. Portanto poderia ser considerado um brado de raiva contra os seus competidores pelas fêmeas, uma interpretação muito contrária à que a poetisa tinha em mente, e desprovida da componente amorosa e doce. [...]

Penso que é suficientemente esclarecedor, embora continue sem saber o que a foto [verdadeiramente] retrata. O final da NOTÍCIA também não ajuda: «O drama da mãe macaca não durou muito mais, pois pouco tempo depois de a fotografia ter sido tirada, a cria levantou-se».

Volto ao início: Frações de segundo podem fazer a diferença, o contexto, o antes e o depois. Visto assim parece, mas pode não ser.

Convergindo... Frans de Waal: O comportamento moral nos animais.


Vita dolorosa?


Na fotografia da capa do livro vi uma jovem mulher, na lisura da pele do rosto; pobre, na roupa puída, rasgada, remendada; vergada à subsistência, no maçar do linho.





Fácil imaginar uma vida difícil, de trabalho desgastante e pouco proveitoso.

Comparativamente ao nível de desenvolvimento sócioeconómico atual é uma evidência, no entanto aquela pessoa não viveu na minha realidade, e eu não irei viver no seu quotidiano. Anacronismos.

Contraponho com a seguinte apresentação do livro «A Salvação do Belo» de Byung-Chul Han que podem encontrar AQUI :

«O liso, o polido, a ausência de vincos são, na época atual, identificados com o belo. É isso que existe em comum entre as esculturas de Jeff Koons, alguns smartphones e a depilação.

Estas características evidenciam um “excesso de positividade” que Byung-Chul Han já tinha abordado noutros ensaios, mas que aqui desenvolve nos campos da arte e da estética.

Porque é que nos agrada tanto o “polido”?, pergunta Han. Porque não oferece resistência nem nos causa incómodo ou dor. O belo digital é um espaço liso do que é idêntico e recusa a estranheza, a alteridade, a negatividade.

O que considerávamos naturalmente belo atrofiou-se no liso e o polido do belo digital.

Hoje o belo converteu-se naquilo de que se diz “gosto”, em qualquer coisa de agradável, que se avalia pelo seu caráter imediato e pelo valor de uso e consumo.

Mas sem a negatividade da quebra do outro fica prejudicado o acesso ao belo natural e anulada a distância contemplativa. A beleza é diferida, não é um brilho momentâneo, mas qualquer coisa que ilumina em silêncio e através de desvios e mediações.

Não se pode encontrar a beleza no contacto imediato, é mais frequente que surja como reencontro e reconhecimento.»


Post scriptum


13. Jesus é descido da Cruz.

Pode não parecer, quando o sentido figurado não coincide com o termo técnico, mas é uma fotografia, do Francisco Gomes, retirada do livro «Via-sacra para crentes e não-crentes», com textos de José Luís Nunes Martins e Paulo Pereira da Silva (autor do excerto que se segue).

[...]
José e Nicodemos aproximam-se da cruz e começam a retirar os cravos. O corpo do Senhor cai, pesado e ensanguentado, sobre eles. Recebem-n'O nos braços ficando também eles com sangue e água nas vestes. Colocam-n'O nos braços de sua Mãe.
[...]