domingo, 30 de setembro de 2018

O Francisco.

O Francisco nasceu, amanhã fará um mês. O nome lhe deram, a escolha terá razão, ou razões de ser. Não me é nada, no entanto, tal como “Ser livre é ter o coração preso”, é nesta humanidade que todos nós somos vizinhos, mas neste caso em particular não é figurado, está ao nosso lado.

Neste ano presenciámos, na nossa vizinhança, as duas datas onde cada um encontra todos os dias que são seus, onde nos fazemos e consumimos. Aquela ideia da folha em branco que cada dia se preenche, e se vai juntando.

Miguel Baltazar, editor fotográfico do Negócios, fotografou assim o arquiteto Gonçalo Byrne:




Uma bela imagem do diário de cada um, e até a idade e a profissão do visado ajudam. O presente, fugaz ponto de partida, com "parede em branco" e porta de entrada para o que já se fez... plano e tridimensionalidade... divisão de tempos... o futuro está para onde se "olha". O Francisco neste momento tem o tempo plano: tudo o que existe está ao seu redor, a memória é o presente. Construções minhas, in-fólio.

Com o avolumar do tempo o que fica na memória são, normalmente, míticas reconstruções, que por vezes se cristalizam em "verdades", e assim nos explicamos a nós próprios, sem grande consciência disso. E há sempre momentos, por exemplo, no convívio social, em que vamos trocando de explicações míticas como quem discute a melhor tática de futebol [não gosto de futebol]. Ontem isso aconteceu nas Azenhas do Mar, mas são fugazes momentos, a que só prestei atenção depois de passados, e quando comecei a juntar os pedaços.

Há sempre a "tentação do oráculo", e o nome Francisco é grande pelo arrojo de quem o viveu, e lhe alterou o sentido. A consciência de que somos parte de um todo, que aspira e se ampara, que deve "pesar" apenas o estritamente essencial para viver, praticando a pedagogia do exemplo. NU!... profundamente poético na forma de ver e agir. Afinal é tudo tão simples como o "Pequeno Poema" do Sebastião da Gama:

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

[digitado por mim a partir do seu primeiro livro, Serra-Mãe, 6.ª edição, Edições Ática, novembro de 1991, página 109]

Francisco de Assis, pouco antes de se consumir, e já cego, entoou para os seu companheiros O Cântico das Criaturas ou O Cântico do Irmão Sol, que se encontra no livro que agora entregamos à guarda dos teus pais, a partir da página 21, numa tradução de Jorge de Sena. Este é o pretexto para celebrar o primeiro mês, e augurar uma nova vida plena.


Lindas ilustrações do Alberto Péssimo para esta obra, a começar pela capa. Claro texto do J. Alberto de Oliveira. A obra nos irmana.

Bem-vindo Francisco ao planeta Terra, iluminado pelo Sol, futuro Homem Bom.

Paz e Bem.

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Post scriptum

domingo, 16 de setembro de 2018

Começar a VER.

A irmã mais nova que pintava a óleo, no meio de aguarelistas, e pouco mais, talvez o nariz arrebitado, ainda continuo na dúvida, denunciando uma menina rabina. Assim me apresentei na inauguração da exposição que lhe é dedicada, com ignorância e preconceito [normalmente andam juntas, e são comuns].

Fui logo presenteado, tal como outros visitantes, com uma letra do meu nome [já não havia cês]. São pequenos requintes de sensibilidade, a que se arriscam todos aqueles que visitam as exposições comissariadas pela Professora Sandra Leandro.




Noventa e cinco anos de vida [1901-1996],  no entanto a maioria das obras expostas é dos anos 20 e 30. Curiosamente, por não serem pinturas ou ilustrações, as obras mais recentes são arranjos emoldurados que datam dos anos 70 e 80: natureza-seca, natureza-morta, conchas e folhas, conchas com laço rosa, e a deslumbrante composição em vidro oval. Fiquei intrigado. Mais tarde, passarinhando pelo jardim, também faz parte do meu hábito de visita, tive a resposta nas páginas 21 e 49 do catálogo.



É de sua autoria a ilustração do cartaz «O trabalho dá alegria», que assinou,




talvez influenciada pelo que via nos trabalhos da sua irmã Raquel, mas é uma exceção, assim com este grafismo mais elaborado. Tinha dezasseis anos.




Por causa deste cartaz fui pousar os meus olhos na página 11 do catálogo, e encontrei o que não estava à espera, mas que procuro [pelo menos entender... é um retrocesso]: o frutificar da fé [ler páginas 9 a 11].

Labiríntica ontem, porque insistia na separação temporal contraposta, e não num fluxo temporal, em que apenas se fixa o referencial de partida, achei deliciosa a cartolina «O tempo das crianças: 24 horas na vida dos filhos», que hoje entendi.




O espaço da exposição, no piso inferior, tem uma "porta dos fundos", que felizmente estava aberta, pois dá para esta maravilha:





Talvez uma Plumbago auriculata “Alba”, que me faz recordar o comentário que ouvi sobre a sua maneira de ser, e que me leva a uma imagem de virtude. Começo a abrir os olhos para a obra da Màmía, mas vou precisar de ajuda. A exposição é o local certo.

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P.S. Jorge, hoje ficas estanhado, muitos parabéns, bem vindo a uma nova década :)
Fica também o convite para visitares a exposição, e ou participar em alguma atividade.

Há mais interessados?






A ilustração é da Màmía, e o texto também não poderia ser?