terça-feira, 21 de março de 2017

Folhas.

De árvores e de poesia, o sentido obrigatório giratório das estações... das vidas. É possível poesia sem sentidos? As árvores emanam sentidos... também irmanam sentidos: alegria, dor, prazer e melancolia... só ou a sós... intimidade e intimidades.

O mesmo plátano em Sintra, majestoso, pela manhã: 11 de julho e 12 de dezembro de 2015.
Gosto de ler poesia em folhas, poesia para mim são folhas que vou juntando, e perto de mim andam. Um momento de espera... ler um poema... uma situação... lembra um poema. Poder variar, poder descobrir, poder... e assim vou construindo o meu cancioneiro: revisitado, acrescentado, alterado, desencontrado, perdido e achado... eureka!

Um poema lido, ou escrito, alivia. Lido no entendimento, é a sublimação do que nos está a acontecer. Na escrita é a libertação, mais ou menos exposta, é sempre possível manter o segredo, assim o queiramos, no entanto o que nos revolve está ali exposto... enjeitado.

O maquinal "Calçada de Carriche" (António Gedeão) continua a fazer parte dos meus dias, porque me revejo nele, não sei até quando. 

Luisa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luisa,
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.

Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luisa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou-se o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luisa arqueja
pela calçada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

A minha alegria matinal (é minha) remete para o Sebastião da Gama, a Golgona Anghel é um arrebatamento passado que passou (faz tempo que não releio), a Matilde Campilho que continua adstringente como o álcool que não bebo, o Dylan Thomas da minha crise lombar, o Carlos Queiroz dos banhos de mar, "contente como um peixe" (eu)... é a minha apropriação da poesia, provavelmente, certamente... mente estapafúrdia (a minha).

A Feira do Livro de Poesia termina hoje, estive lá no domingo, entre folhas. Olhei para cima e "li", aterrei no papel e li... deram-me a conhecer os poemas volantes do Ruy Cinatti («Corpo Santo» editado pela Averno).

Distribuir poemas em folhas pela rua, pelos conhecidos e desconhecidos... já tive vontade... tenho vontade... de fazer, com os dos outros, pois não tenho dos meus... Poemas.


Lódãos (Celtis australis) no Jardim da Parada, em Campo de Ourique. Lisboa, 19 de março de 2017.


Folhas, sentido(s), sentir... sinais.

É dia da Árvore e da Poesia... dá Alegria :)

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