domingo, 20 de dezembro de 2015

Luxúria... um forte desejo de CO2 e CH4 no Natal.

Não é fácil contrariar o desejo de consumir, de ter, especialmente quando à nossa volta tudo nos convoca, e provoca, para a orgia. Mas há que resistir, encontrar prazer onde menos se espera, prazeres tricotados na mente com a matéria dos sentidos, que nos libertam do peso de existir, do tempo que parece acelerar, do vazio que sempre teima em se instalar, numa aproximação infinitésimal da vida quotidiana: menos tempo, menos tempo, mais insatisfeito, mais insatisfeito, mais e mais, que resulta em menos e menos. Não precisar de tanto liberta-nos.

A face visivel destes desenganos são os padrões de consumo, e a forma como são produzidos esses bens. Hábitos que se instalaram, conforto no desperdício, segurança imaginada: o alimento perto e abundante, com embalagens giras, as engenhocas que nos fazem sentir senhores dos nossos destinos, e todos os dias há coisas novas, e assim vai crescendo a economia, rapidamente esgotando os recursos, reduzindo o nosso espaço de manobra.

É impossivel estar sempre a crescer, olhem para vós... estão sempre a crescer?... E quanto mais se crescer, assim, mais perto chegamos ao fim, e mais doloroso o ajustamento futuro. O futuro vai-nos cair em cima. Neste momento já não é nada fácil, por exemplo, se reduzir o número de presentes que irei comprar este Natal, se viajar menos, se comer menos (e esta é uma época de excessos), certamente estarei a contribuir para reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), os principais gases com efeito estufa (falta um terceiro que é o vapor de água), mas também estarei a contribuir para um abrandamento da atividade económica, mais despedimentos, perda de rendimento, dificuldades em cumprir compromissos assumidos. E quando não se pode fazer o que todos fazem, fica-se mal.

É uma teia de compromissos, de bugigangas, de tempo que se esgota, uma bola de neve que vai aumentando e acelerando, a que se pode juntar uma avalanche: as emissões de gases com efeito estufa estão a provocar o aumento da temperatura, provocando o degelo, que por sua vez pode desencadear a libertação de grandes quantidades de metano acumulado no permafrost, com efeito multiplicador sobre esse mesmo efeito de estufa, o que pode provocar alterações drásticas e repentinas no clima (é um risco real). Nos oceanos não é apenas a subida do nível do mar, que é já um problema, mas as alterações nas correntes oceânicas, o grande motor de distribuição de calor à escala global. Neste momento as alterações climáticas já estão a acontecer, e é fácil de perceber porquê: olhem para a vossa futura da eletricidade, e confirmem os quilogramas de CO2 que lançaram para a atmosfera no mês passado, só por esta via, mas falta o resto (viagens, alimentação, conforto térmico...). Quantos quilogramas produziam os vossos avós?

As condições favoráveis em que prosperamos estão a desaparecer rapidamente, ameaçando o nosso futuro. Não vamos lá só com a "neutralidade" e com o "assim que possível", devemos explorar todas as vias, a nível individual e coletivo, tecnológicas e de comportamento, aqui não existem fronteiras nem crescimento que nos valham.

Fazer diferente e começar já, ser a diferença. Vai ser difícil, muito difícil, olhem à vossa volta, a começar pela forma como ocupamos o espaço, como cresceram as nossas cidades, movimentos de pessoas e trocas comerciais, por onde passam as estradas, espaços de grande concentração que exigem um grande vaivém diário, no caso de Lisboa a perda de grandes áreas agrícolas que foram cobertas de betão, o produzir e consumir local desapareceu. É fácil desperdiçar centenas de quilómetros numa semana só nestes percursos ineficientes. A generalização rápida de meios individuais de locomoção elétrica, com as restrições de autonomia que este tipo de veículo tem, iria certamente induzir novos comportamentos.

Diversificação e complementaridade de novas formas de energia, com destaque para as renováveis, mas também de novas fontes alimentares, e da composição da nossa dieta alimentar, do combate ao desperdício e ao supérfluo, e tudo isto desemboca em novos hábitos de consumo.

Uma economia baseada no crescer e no vaivém não é sustentável. Mais do mesmo não é caminho, é abismo.

Cultive dentro de si, e exteriorize, a FRUGALIDADE e a CRIATIVIDADE... no seu dia a dia, na sua vida, e sinta-se feliz, com menos CO2 e CH4 :)

Foi assim que encontrei a minha árvore de Natal para este ano. A ideia surgiu no domingo passado (13), em frente de minha casa. Estar atento, desperto para os pequenos prazeres, no meu caso as árvores, tenho outros pequenos prazeres... diversificar, complementar... e bastou ajeitar com o pé direito, em forma triangular, o amontoado de folhas dispersas pelo asfalto... no meio delas destacava-se um linda folha... ficou a estrela. Um leve vento criou um adorável imprevisto na hora de fotografar, e ficou assim...





Depois foi trabalhar em casa a fotografia eleita, e ficou assim...






A primeira para imprimir, e ou enviar por email, a segunda é o meu papel de parede no computador... o asfalto virou céu estrelado... na noite de Natal vamos ter lua cheia. A última vez foi em 1977, a seguite, depois desta, será em 2034 (é como estará a Terra e todos nós?)

FELIZ NATAL a todos vós, do fundo do coração... PAZ e BEM.
MERRY CHRISTMAS to all of you, from the bottom of my heart... PEACE and ALL GOOD.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Momiji...

... os tons de fogo e dourados que o outono pinta nas folhas dos plátanos. Semana após semana o novembro vai nos oferecendo este espetáculo de cor, a que se junta o movimento, em certos dias de vento. Podemos então observar espirais, mais ou menos conseguidas, de coloridas folhas dançantes, ou o crepitar pelo chão seco, quando o vento se espraia ao longo de um passeio empredado, atapetado de folhas encarquilhadas, férreas e térreas, fábricas de energia que cumpriram a sua missão... nesses fugazes momentos vale a pena fechar os olhos e ficar a escutar... uma sugestão AQUI (plátanos, castanheiros, e tílias no fim da rua), num sábado de manhã, antes das 9h, para evitar a poluição sonora, o apinhar de gente e carros.

É preciso estar atento, tudo isto se vai afinando, a cor e os sons, de uma semana para outra pode-se ganhar em cor, perder no movimento, ou vice-versa, mas depois de passado o ponto certo já não há regresso, só no próximo outono. Tudo isto se vai gastando, e já perto do inverno resta o cavername arbóreo, no caso dos plátanos ficam então expostas as desumanas podas de que são vitimas... varelas espetadas num tronco cheio de tumescências... castrados.

Foto do outono passado (13DEZ2014)

Podemos ir mais além nos sentidos, juntar o paladar e o olfato, fritando e comendo as folhas secas de momiji, como fazem os japoneses, a tempura (fritura) de momiji. Quanto ao sabor só fazendo, podem encontrar a receita AQUI. A técnica da tempura foi introduzida pelos jesuitas portugueses no Japão, com origem em Goa?... resumindo, peixinhos da horta à japonesa :)

Montagem feita com fotos tiradas DAQUI.

Foto do outono passado (22NOV2014)

Para terminar, foto deste outono, mas que revela mais uma surpresa. A árvore é um diospireiro descendente de um que sobreviveu à bomba atómica lançada sobre Nagasaki (Revive Time: Kaki Tree Project). As cores do outono e da esperança.

Foto deste outono (21NOV2015)

Esta árvore encontra-se à entrada do MU.SA - Museu das Artes de Sintra, do lado esquerdo de quem sobe a escadaria de acesso. Não tem qualquer identificação. Soube da sua existência ao ler este ARTIGO.

Resta o mais importante... vens do ródio, vais para o paládio, mais uma volta ao Sol que completas hoje. Muitos parabéns mana :) Esta mensagem foi escrita a pensar em ti e para ti :)

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P.S.




domingo, 22 de novembro de 2015

Ascensão de Maria.

Não foi no dia 14 de novembro de 2015, nem nos dias seguintes, que aconteceu a ascensão de Maria, mas ao longo de uma vida, longa de tudo, coerente na palavra e ação, e na ação na palavra, uma relação biunívoca com a vida, que começou no dia 20 de maio de 1916.

Tudo junto, e cultivado, sem pretenção de maior que não tenha sido o caminho da virtude, podemos hoje dizer, e aproveitando a coincidência das palavras do seu nome com o percurso da sua vida, longeva e resistente como o carvalho, uma pequena pedra de valor (Pedrina), firme e inabalável (Rocha), que cumpriu a sua parte em vida.


As memórias de vó Maria em livro, escritas por ela.

É assim vó Maria, nas palavras que nos deixa, com aquela simplicidade que se basta a si mesmo, sem complicações ou pretensões, direta, quando escreve: apesar de tudo, sou feliz e estou convicta do dever cumprido.


Vó Maria em oração, que se nos oferece...






... Roberta estou oferecendo esta oraçaos com lembrança da vó não estou obrigando a rezar. Só quero dizer que a oração é a fortaleza da nossa existencia. É onde se encontra a paz. Não que agente só tenha paz mas se vier algo que desanime agente tem de olhar para o crucifico de Cristo como ele morreu




Vó Maria sapeca...


Vó Maria bordadeira...



A sua alegria e fé é para mim é um duplo mistério. Não a sua fé em particular, nem a sua ligação com a alegria, e como ela articulou ambas, mas a fé no geral, e aquele mistério de acordar todos os dias alegre, com aquela sensação de ter uma folha em branco para escrever, e sem a angustia de a preencher. Não a ligação entre ambas, que certamente existirá, mas de onde vem a fé?... será um recurso de sobrevivência?... e especialmente a forma como espraiava a alegria, não ostensiva, com uma certa constância e naturalidade, e não foi certamente porque a vida fosse fácil.

É a forma como passamos pelas dificuldades da vida, como as ultrapassamos e o que fica delas: as cicatrizes, os medos, o fechar sobre si mesmo, a desconfiança e a inveja, tudo o que nos torna mesquinhos e amargos, ou pelo oposto, a reagir no excesso quando se tem, ou se promove aquilo que se não teve, e que na abundância, leia-se excesso, se julga encontrar... a felicidade.

É um equilíbrio delicado que a sorte de cada um dita, o destino como se diz, mas também, e muito, a resiliência de cada um, que também se constrói no meio do caos, quer da abundância, quer da escassez. Não é a mesma coisa ter ou não ter um braço, certamente isso altera o curso da vida, fica mais difícil, mas se ficar amargo, fechado, mais dificil ainda fica. Por vezes são esses choque que nos abrem os olhos, e nos fazem superar a nós mesmo, por vezes nem damos por isso, carregamos o fardo... andamos entre o sucumbir e o progredir.

Completou 99 voltas ao Sol, chegou ao elemento químico Einstênio, no dia de... e tantas outras coisas, mas o que importa, e é supreendente, é que são 99 voltas de coerência, é obra. Testemunho dado, dever cumprido.

A...deus vó Maria.

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P.S.
A Solidão dos Moribundos, de Norbert Elias;
Ser Mortal, de Atul Gawande.

domingo, 8 de novembro de 2015

Cinco já passaram.

Tudo gira em torno da temperatura... a do carro, a do corpo, a da Terra... se ela dá sinais de aumentar algo não está bem, é preciso perceber o que está a acontecer e atuar, não deixar chegar ao limite das consequências, irreversíveis ou não.


Onde estão as fronteiras?

Somos cada vez mais, mas com tendência para abrandar, moldados pela evolução cultural, que se vai sobrepondo à biológica. O bem-estar definido e materializado a Ocidente, que usa muitos recursos, de forma cada vez mais eficiente, mas que gasta muitos recursos, transmutados nos mais variados consumos crescentes, efetivados e ambicionados (a oriente e a sul).

Feitas as "contas", e elas já foram feitas em 1972 (The Limits to Growth), e olhando novamente para elas (A Comparison of `The Limits to Growth` with Thirty Years of Reality), dá para perceber que não estamos numa trajetória sustentável. Os recursos que não chegam, a temperatura que aumenta, um novo equilíbrio que se "desenha", e que nos pode ser desfavorável, e não temos outro lugar para onde ir, e como ir. A ameaça é tanto maior quanto maior é a nossa dependência: total, não conseguimos sobreviver fora da Terra.

As alterações climáticas estão a acontecer.

Cinco reequilíbrios já passaram.



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P.S.




domingo, 25 de outubro de 2015

O boreal-austral que virou marcador de livros.

O protótipo nasceu de um hábito, que vai acontecendo de segunda a sexta, na fronteira da página de um jornal, que para mim se resume tão somente à leitura do Blog: observações pertinentes do quotidiano, em que me revejo e alinho, ou simplesmente nem tinha pensado, as andanças pela literatura, o que não conheço, muito, o prazer da descoberta. A fonte de ignição no meu rastilho da curiosidade, e autor do Blog, chama-se Francisco José Viegas (FJV). Está no local mais improvável, exposto a centenas de milhares de olhos, que desconfio, ou será preconceito meu, não o leem.

Mas vamos ao protótipo, nasceu a 21 de setembro de 2015, data do Blog do FJV que fala de râguebi e termina assim:
O râguebi, ao contrário de outros jogos com bola, privilegia a honestidade e a estratégia, além da força – não da violência. É mais literário do que o futebol; um ensaio de râguebi é como meio volume do ‘Guerra e Paz’.
Gostei, e pensei logo em dar a ler a um jovem que em breve iria fazer 13 anos. Recortei e digitalizei o artigo (há vários anos que coleciono os seus artigos), mas olhando para a sua forma retangular lembrou-me um marcador de livros... e porque não o fazer?... e foi assim que surgiram...



Consoante a dimensão do retângulo este é dobrado ou não. Por exemplo, o marcador do meio não foi dobrado, os outros dois sim (ver fotos acima: frente com fundo preto e verso com fundo branco). Nem todos os artigos do FJV dão origem a marcadores de livros. O critério é o meu gosto e impressão no momento.

São vários e únicos, com tendência para aumentar, que irei colecionar e oferecer, escolhendo o que mais se adequa ao livro que estou a ler, ou irei oferecer.

Gosto particularmente do terceiro (Para que serve a literatura?), para além do que está escrito traz-me à memória o Rubens Borba de MoraesPara que servem livros antigos?... Para que serve a poesia?...




O protótipo foi oferecido com este livro ao jovem que fez 13 anos a 25 de setembro.




Custo da plastificação: 0,60€. Gostei tanto que continuo, é o meu "café" quase diário, o café que não bebo. Está para breve uma nova referência: João Pereira Coutinho, o primeiro marcador de livros será com Democracias burgessas, uma pérola este trocadilho ;)

Para terminar, o boreal-austral, que também poderia ser setentrional-meridional, fica mais enrolado na língua, mas é mais giro no étimo, refere-se ao FJV. É esta a ideia que tenho dele, desde os tempos da Avenida Brasil, série de que foi co-autor e apresentador, que passou na RTP no ano da comemoração dos 500 anos da descoberta do Brasil. Vejo e sinto no FJV o norte e o sul, antropologicamente falando. Mais a norte nuns temas, mais a sul noutros, por exemplo: nascido alto, de tez morena, liberal politicamente incorreto, molhado de melancolia... estamos próximos. Fiquei tão contente quando soube da sua nomeação para Secretário de Estado da Cultura. Eram tempos de mudança.


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P.S.

Adrian Frutiger 1928-2015 (A fonte utilizada no cabeçalho do blogue é a Frutiger LT Std 95 Ultra Black, em homenagem a Adrian Frutiger recentemente falecido.)


domingo, 4 de outubro de 2015

Dá-me o obséquio dos teus masseteres.

Bem poderia ser o Rogério a pronunciar esta frase na sala de aula, num misto de vaidade e provocação. Previamente tinha procurado e escolhido as palavras no dicionário. Lembrei-me dele, a nossa (quantos éramos?) ida à Livraria Ferin, e a sua desenvoltura no alto de um escadote, e o livro que desceu.

Lembras-te do Celestino?... imbativel no Pac-Man, o chegar atrasado à aula, desculpando-me com a compra de uma carga para a esferográfica (a papelaria ficava perto do salão de jogos). A professora Emília ria, e chegou a comentar com a minha irmã o meu "gasto de tinta". A tua passagem pela turma do gang do Gama, certamente alguns deles já não estarão vivos, a "coleção" de lâmpadas, e na minha turma as brincadeiras do Celestino com o professor de Filosofia, o célebre letreiro que lhe colou nas costas (sou p...).

Mas vou parar por aqui este princípio de turbilhão desordenado, estou a escrever à medida que recordo, e o que recordo certamente se passou, mas não é tudo, nem é tudo como se passou, e pouco interessará à maioria dos que me irão ler, pois são estórias da adolescência, iguais ou não a tantas outras, as nossas "teenadas". Foi por essa palavra, inventada por ti Paulo, que resolvi dar continuação à mensagem anterior, e voltar ao tema da adolescência, mas agora para todos.

A "Viagem errática e fim de Pierre Bonchamps - A tragédia de Filipe Daudet", texto de Stefan Zweig, que está no seu livro "A marcha do tempo". Aqui vos deixo, pronto a imprimir e ler, um mistério, talvez sem mistério nenhum, que se repete.









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P.S.

BRANCO NO PRETO. AQUI.

As citações vão passar a andar por aqui: tinta no papel (preto no branco), luz do conhecimento (branco no preto), quem escreveu, onde, para pensar

sábado, 26 de setembro de 2015

Teens na tabela.

Ontem foi a vez da chegada de um teenager cá a casa, e no dia anterior uma teenager, noutra casa, e outros mais que foram acontecendo ao longo deste ano, e não ficamos por aqui. É mais uma etapa importante da vida, na vida de cada um de nós, mas desta fica sempre um sabor especial, que certamente contrastará com todas as outras. Há até quem queira "andar sempre por aqui", nesse tempo, só que o tempo não pára.

O tempo dos teens é dos teens, e o nosso tempo cultiva muito este tempo, mas na ambiguidade, basta olhar para a publicidade. Não é só uma questão estatística, o número de consumidores que urge arrebanhar nesta faixa etária, mas também os outros que "andam por aqui": o mito do eternamente jovem, o irreverente, a sexualidade à flor da pele, o revolucionário, o artista naïf, o intelectual despenteado ou o cientista maluco, excentricidades de "tempos mal resolvidos".

Mas ser teen é giro. Recorda-me "Os Pequenos Vagabundos", agora a cores no início dos anos 80, e que já tinha visto a preto e branco, na televisão (ao final de sábado a Marion-de-Neiges era a menina mais linda do mundo, e eu suspirava pela Nazaré), a mudança de escola, novinha em folha, e com arquitetura "espacial", foi de minha autoria o seu primeiro emblema (Escola Secundária de Benfica), o estar em segundo lugar na lista dos rapazes mais giros da turma, e também no braço de ferro, o sofrer pela Dina, desenhar a lápis (Palácio da Pena e brasão de Sintra eram os temas preferidos), o verão e a praia (Portinho da Arrábida e Praia das Maçãs), que raramente tive por ter de trabalhar, a liberdade da terrana aldeia dos meus avós. A viagem em si, a passagem por Santarém, Abrantes, e a vista do Castelo de Almourol (nunca paramos, só em adulto o visitei... é uma mágoa), o chegar de noite, sem energia elétrica, os banhos no tanque, e os tempos gloriosos da leitura de "A Civilização do Renascimento Italiano", ao som de "Thundering Hearts" do John Cougar, ou o rasgar estridente do Kai Hansen Manso numa guitarra elétrica.

Esta mensagem era para ter começado com uma alusão à Tabela Periódica, números atómicos do 13 ao 19, a terminação teen dos numerais em inglês, que simplifica e se entende, em vez do "palavrão" adolescente, e ao mesmo tempo o que mais precioso me ficou desse tempo, e para sempre: o prazer da descoberta, o gosto pelo conhecimento.

Para o teen cá de casa deixo... Autobiografia Charles Darwin (Apresentação).

Para a teen da outra casa deixo... A verdadeira história do chocolate.

Para os outros teen... Darwin Day (é para colar na parede).

Para sempre Galapiat, em jeito de epitáfio, com "Thundering Hearts" a ressoar na minha cabeça. É o meu lado teen :)

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P.S. A tarde de ontem (26/9) revelou uma grande surpresa: as estórias do Luís Martins, contadas por ele na visita guiada à exposição temporária "Artes de Pesca. Pescadores, normas, objetos instáveis" (Museu Nacional de Etnologia). Momentos de partilha, na simplicidade de quem viveu e sabe, com aquele brilho nos olhos, o sotaque, os gestos, a postura, e uma pressa sem pressa. Obrigado Luís Martins.






domingo, 13 de setembro de 2015

Uma ponta... pontas... o fim...

Vou tentar reconstruir um labirinto. O semanal e seminal convivio comigo mesmo tem sido vertido aqui, no entanto desde agosto que esta cadência se alterou, por força de imprevistos e canseiras, mas na cabeça tudo vai fervilhando e alinhavando, à medida que os meus interesses, principalmente leitura, paisagens e pessoas, tudo mais ou menos junto, em simultâneo ou desfasado, mas que vão passando. E assim de uma ponta, não atada, outras pontas apareceram, novamente não atadas (presas na escrita), e o resultado é por onde pegar?

Esta manta de retalhos começa com o artigo 'Condição humana', de João Pereira Coutinho, na revista Domingo (jornal Correio da Manhã de 30 de agosto de 2015). (AQUI)
... Mas tirando um texto longo (e excelente) de Joana Emídio Marques, (AQUI)
... o que existe é uma “serenidade terminal” (bela expressão), só possível quando a doença apagou até os instrumentos emocionais mais básicos, como o reconhecimento dos objectos banais e a simples empatia humana.
... dois anos depois, é escrita esta viagem ao mundo da “desmemoria”. 'De Profundis, Valsa Lenta' pode ser, como escreve João Lobo Antunes em excelente prefácio, um contributo raro e inestimável para as ciências neurológicas. Mas para nós, leitores comuns, o testemunho de Cardoso Pires é uma aula de escrita - e uma meditação “lenta”, como a ‘Valsa’ do título, sobre a fragilidade humana. Ler ou reler Cardoso Pires é brindar a essa fragilidade com um sorriso - e um “fio de música”.

Entretanto, e porque tinha passado pelo Portinho da Arrábida, dou comigo a ler, puro acaso, 'No sexto aniversário da minha morte' de João Bénard da Costa.

O último parágrafo do link anterior é delicioso, desde o «fora da agenda», aprecio e cultivo, e «Nunca os consigo ler em papel (no ecrã). Imprimo o texto (na versão on-line) e leio depois», também me acontece o mesmo, como ao Pedro Mexia. (gralha a rosa, a minha correção a verde).





Entretanto descubro que Oliver Sacks morreu. Fui sempre adiando a compra e a leitura dos seus livros, não sei porquê... o impulso de ir, mas o passo em frente que não foi dado, e que agora se concretiza, depois da leitura do artigo 'Oliver Sacks, autor de Despertares, adormeceu para sempre'. Acabei de encomendar a sua autobiografia.
... vida multifacetada do médico que pôs a pessoa no centro da narrativa médica e explicou ao mundo as doenças mais paradoxais do cérebro humano. 
... cruzamento único que Sacks inventou entre a neurologia e a arte de contar, motivado pelo seu amor pelos seus doentes.
“Sacks contribuiu para humanizar uma série de estranhas perturbações neurológicas – e, em certa medida, tornou naturais bizarros sintomas tais com os tiques e os tremores dos doentes”, disse ao PÚBLICO por email o conhecido neurocientista português António Damásio. “Fez os leitores perceber que, por detrás da estranheza dessas manifestações, há também uma pessoa que pensa e que sente. Essa foi um feito notável, conseguido por Sacks ao longo de décadas de escrita incessante.”
Sacks escrevia com uma humanidade e uma empatia sem iguais (já para não falar da sua mestria literária e científica) sobre as patologias neurológicas mais bizarras. E tinha sempre coisas profundas e emocionantes a dizer sobre a luta dos doentes com as suas trágicas doenças, descrevendo como ninguém os mistérios do mais misterioso dos órgãos que é o cérebro humano.
... “[Sacks] nunca faz o leitor sentir-se um voyeur; a sua abordagem é subtil, e o que emerge de todo o seu trabalho é o seu respeito pelos seus sujeitos. Parece amar os seres humanos (…). Não ama a humanidade em abstracto, mas admira e aprende com cada indivíduo, não importa o quão devastado [pela doença]”.
... Histórias fascinantes e ao mesmo tempo angustiantes, uma vez que mostram a fragilidade do mundo perceptual construído pelo nosso cérebro – do nosso único elo com o mundo que nos rodeia. 
... “Todos os médicos aspiram a ser um pouco como Sacks (…) pela sua óbvia humanidade e pela sua escrita sublime, que vai ao âmago do que significa ser humano e frágil”, 
... A seguir, com a sua habitual sensibilidade, acrescentava:  “[Sinto-me] intensamente vivo [e espero que, no tempo que meresta], aprofundar as minhas amizades, dizer adeus às pessoas que amo, escrever mais, viajar se tiver forças para isso, atingir maiores níveis de compreensão e de perspicácia.” 
E mais à frente, como que se desculpava: “Ainda me importo profundamente com o Médio Oriente, com o aquecimento global, com as desigualdades crescentes, mas essas coisas já não me dizem respeito; pertencem ao futuro.” Confessava ainda:  “[Não posso] fingir que não tenho medo”, mas acrescentava logo: “O meu sentimento predominante é de gratidão.” E concluía: “Acima de tudo, fui um ser que sente, um animal que pensa, neste maravilhoso planeta, e isso foi só por si um enorme privilégio e uma enorme aventura.”

Ontem, ao final da manhã na Praia das Maçãs, li 'The Joy of Old Age. (No Kidding.)', 'My Own Life' e 'Mishearings'. Há mais para ler AQUI.

E de tantos entretantos, o entretanto de ontem para finalizar, descoberto no prefácio escrito pelo  neurocirurgião João Lobo Antunes para o livro 'Ser Mortal':
Seja-me permitida mais uma nota pessoal, mas a leitura é assim, pois um livro bom está aberto a que lhe acrescentemos outros parágrafos! Meu pai morreu há 10 anos, e enquanto minha mãe foi viva, a biblioteca que construíra e que vigiava com zelo feroz, manteve-se quase intacta. Minha  mãe morreu há pouco. Agora, filhos e netos (muitos) foram esvaziando as prateleiras, conforme as suas preferências intelectuais ou os seus interesses académicos. Porque descobrira um livro que, pensei, seria muito do gosto da minha filha mais velha, telefonei-lhe a dar-lhe conta disso. Passados minutos mandou-me o seguinte SMS: «É bom fazer parte de uma família em que os livros são tão preciosos como as jóias.»  
Este livro sobre o qual escrevi estas palavras ficará na minha Biblioteca, esperando que um dia alguém o leve... como jóia.

Dou por terminada a manta de retalhos, e descubro que andei ás voltas sobre o fim.


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P.S.

domingo, 30 de agosto de 2015

Sobras de tempo.

Uma ausência, que não é de férias, mais parece antiférias, como a antimatéria, o oposto de um certo continuum, picotado relâmpago, ou rasgo de luz muito breve, por vezes violento e doloroso, ou calmo e prazeroso, mas de tão breve que passa, a dor e tudo o resto.

Neste rasgo de ausência, o meu continuum foi feito de obstáculos, que se foram vencendo é certo, mas à custa dos meus poucos rendilhados de luz, como o estar aqui, uma pausa que se inala ou se escuta, desenhar no olhar a linha do horizonte a quatro olhos, ou um poema que se lê ao deitar, quando o corpo exausto não é apenas «cadáver adiado que procria».

Dando espaço à perspetiva, não é muito diferente do que se passa numa vida, no entanto é preciso ter cuidado, o que passa pode ser nosso, e o que se nos vai passando?...

Ontem foi um resumo de rendilhados de luz, assim...

Guarda que bella...




Rumo
Autorretrato


Gentileza
Momento
O resto já passou, mas é bom que se não passe (que não se repita, a perda de tempo).

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P.S. Quarenta e duas voltas ao Sol, parabéns Cármen. O teu presente...

Texto retirado da Revista Gulbenkian Descobrir Março a Setembro 2015.

Foto-composição minha, que andou em bolandas, e que teve vários inícios, desde "O prato", "O que me mantém", e agora é tua.

domingo, 2 de agosto de 2015

O meu culto do chá.

É o momento, de preparar e beber, a pausa, a cadência, não cronometrada, interiorizada, o início ou o fim (do dia), uma certa noção de equilíbrio, acompanhado de pensamentos, palavras, cumplicidades,... sem pressa. No meu caso bastam 20 minutos para tudo isto.

Começa com a escolha do chá, preto ou verde, o resto são infusões, não são chá. Ambos da mesma planta, camellia sinensis, diferem apenas no processo de secagem das folhas (oxidação).





Os meus preferidos estão na imagem, bem como os utensílios que uso. Chá verde por enquanto só o "híbrido" Lemon Macaroon da Lipton, em saqueta piramidal (por isso não está na foto), e ao final do dia.

Como escolho?... no começo do dia o "rafeiro" Lipton ou o ambarino Ceylon, quase sempre a escolha é entre os dois, mas por vezes apetece-me o No. 1, um mitigado Earl Grey, que por vezes também apetece ao final do dia.






A água, parte importante desta relação, deve ser escolhida e tratada com esmero, Luso e Evian são as minhas preferidas, e nunca as deixo ferver. Quando começa um impercetível libertar de vapor, a fazer bolinhas, sem deixar "rosnar", está no tempo de apagar o lume e colocar o saquinho, uma invenção norte-americana, é aqui que o meu lado prático se sobrepõe a tudo o resto (também sou assim). A imersão deste dura cerca de 3 minutos, a cor âmbar vai-se definindo, intervalada por duas a três espreitadelas.





Vertido para a chávena, confirma-se a cor, o cheiro não muito intenso, e o açúcar fica por último. Uma colherinha só na primeira chávena, das duas feitas com o mesmo saquinho. Sabe-me melhor começar com um leve doce, e depois ficar só com o sabor do chá.





Ambas são temperadas com leite, fica "veludo" (não adstringente) no paladar, e a cor "aconchegante" (a superfície serena), e está pronto o presente (momento) que sorvo.





Tudo é feito por "cabotagem", a tentativa e erro que afina cor e paladar. Também gosto de cheirar o resultado final, uma a duas vezes por chávena.

Ainda não consigo preparar para ficar calmo, faço porque estou calmo, ou porque estou cansado, em que já não penso em nada, e fico só num esforço mínimo que me garante no final desfrutar e aconchegar... tão bom!... deixo de estar prostrado, a caminho do iluminado?... não creio, é apenas a rima, o brincar com as palavras. O meu culto do chá é assim, adjetivo e não nome.

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P.S.