domingo, 10 de novembro de 2019

Preparado.



Não é forma de começar o dia, assim só com três alimentos, mas hoje estava com essa disposição, de juntar pedacinhos e experimentar o Lisbon Breakfast que comprei ontem, ao final do dia, numa Lisboa linda de melancolia, num arrancar de ferros, que exigiu uma passada vigorosa e apressada, Calçada do Combro abaixo, Calçada do Combro acima, de guarda chuva fechado para melhor passar entre os transeuntes [essencialmente turistas], e sentir a chuva na calva [It's Raining Again]... e como me senti bem em corpo e mente ginasticados.

Pelo meio, literalmente no meio, procurei por um livro muito amado. Vão procurar, e na segunda dar-me-ão a resposta. Na sua capa existe este belo desenho/gravura do Lino António, seu amigo.

Imagem manipulada por mim a partir de imagem que encontrei na Internet. Só não revelo o link para manter o suspense. Se conseguir o livro irei acrescentar a digitalização da mesma, e revelar a localização desta.


Olhem o rosto... o seio... a mão direita... todo o céu... e o mar... e a serra... o rebanho... Será uma lira no canto inferior direito?... ajudem-me. A subtil cercadura, prensada, que almejo tatear. Sim, é um livro muito amado.

Bebericar, mordiscar, olhar, e misturar tudo na cabeça, literalmente. Este domingo começou assim, bem comigo mesmo, à luz quebrada, à espera do amanhecer.


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Post scriptum [cheguei aqui pela orografia]

Sozinho a ouvir o mar, que não diz nada.
Férias do mundo e de quem lá anda.
Concha de ouriço, mas desabitada,
Aberta no lençol da areia branda.

Não se lembrem de mim esta semana!
Matem o Cristo, e ele que ressuscite!
Eu, nesta angústia humana ou desumana,
Quero apenas que o sono me visite.

Miguel Torga


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Post post scriptum [cheguei aqui pelo complemento: Lisbon Breakfast... Lisbon Revisited]

Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Fernando Pessoa




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