quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Árvore de Natal Barca Bela.

Não lhe pensei a composição, aconteceu da necessidade de libertar espaço na mesa da cozinha, para a ceia de Ano Novo. A Roberta pegou nela e colocou-a na fruteira que trouxemos do Brasil, à uns bons anos atrás: peça de que gosto muito, pela sua beleza, na simplicidade de formas e materiais de construção, e na adequação à função, ou seja, o conceito de design em peça.

Hoje, pela manhã, dei por ela:



Talvez a cor de laranja das clementinas, compradas pela Roberta ontem, e o recordar das palavras de Eduardo Sequeira, que escreveu na sua Chronica no Jornal de Horticultura Prática XX (1889), páginas 18 e 19 [AQUI]:
«Mas entre nós o azevinho e o pinheiro não teem as tradicções do norte, e tanto podem elles servir para arvore do natal, como outra qualquer.Porque não se aproveita em Portugal, para esse fim, um ramo de laranjeira, com os seus fructos de ouro brilhando dentre a folhagem verde escura? As luzes e os brindes para a creançada realçariam mais na laranjeira do que em outra qualquer arvore, e se a isso se juntasse uma escolhida ornamentação de camelias, que n'esta epocha florescem a esmo no Porto, obter-se-hia uma arvore do natal bem nossa, cheia de bellezas e de encantos.»
Tradição, à data, recentemente introduzida no nosso país por D. Fernando II. 

E assim fui para a rua fotografar, à procura da luz e do cenário, o que em mãos logo me pareceu uma barca:



A Barca Bela do poema de Almeida Garrett:

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
        Que é tão bela,
        Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
        Colhe a vela,
        Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
        Mas cautela,
        Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
        Só de vê-la,
        Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
        Foge dela
        Oh pescador!

in Obras Completas de Almeida Garrett, volume VIII, edição do Círculo de Leitores, 1984, página 63 [Folhas Caídas, início do Livro Segundo; digitado aqui, a partir do livro, por mim].

Umas semanas antes tinha descoberto outra: À PROCURA... 

Endereço ambas ao meu sobrinho Pedro, que hoje completa a sua volta individual ao Sol, no mesmo dia da nossa volta universal.


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Post scriptum
adereço natalício foi comprado por mim na Makro, achei um encanto. Arvorar a barca fruteira com ela, colocar lastro de laranjas, e algumas camélias brancas no convés, é o que projeto.

1 comentário:

  1. Somente agora abri meu e-mail e vi tua postagem.

    Que de belo e original, jamais havia visto.
    Tens inspiração poética que jamais eu encontraria.
    De uma fruteira que Roberta levou das terras tupiniquins, te envolves em inspiração poética, evocando o poema de Garret para descobrires o que não é obvio aos olhos de pobres e incautos cristãos.
    O poeta e o fotografo,
    Que em noite chuvosa,
    Enfrenando o frio do Natal no hemisfério norte
    registra em sua câmera uma barca, enfeitada com as clementinas.
    Poeta não sou, mas há tempo, venho me despertando para tuas insinuosas inspirações.
    Ora veja que simplicidade.
    Uma fruteira se descobre como árvore,
    O poeta navega em sonhos de Natal
    e navega numa barca de original valor poético.
    Parabéns, meu querido genro.
    Precisas escrever, em prosa ou em verso, pois talento e inspiração para tanto não te falta.

    Adorei o poema de Almeida Garret.

    Tenho por cabeceira o livro deste poeta: Viagens na minha terra, que me ofertaste, pela curiosidade que eu tinha, sobre a Santa Iria.

    Um abraço e minha sincera admiração.

    Samuel

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