domingo, 19 de abril de 2020

Sarapatel de Caminha, Pêro Vaz.

Assim o encontrei, numa enjorcada, concluo agora, estória de 10 de junho de 2010 [AQUI].

Aflorou esta semana porque ficou no meu subconsciente a ideia de mais um nosso andarilho de quinhent
os, que neste caso se perdeu na Índia em prazeres lascivos: Khajuraho, na capa de um livro.




O seu espanto tinha começado antes, na viagem que o conduziria à danação. Das outras índias escreveria [AQUI]:
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos, pelas espáduas; e suas vergonhas tão altas e tão çarradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha. 
O Prof. Luís Adão da Fonseca refere que «quando, na carta de achamento, se sublinha a inocência, ou seja a não consciência da nudez por parte dos indígenas, está-se provavelmente a pensar – e todos quanto em Lisboa a vão ler provavelmente também o pensam – no versículo do Génesis (3.7.), onde se conta que a Adão e Eva, depois do Pecado, abriram-se-lhes os olhos a ambos e perceberam que estavam nus ... Isto é, no discurso da Carta, a inocência é prova de que não houve pecado, ou seja, é ela que redime a bestialidade dos índios brasileiros.» [AQUI, página 43, ou 6 do PDF]

O que se sabe é que, chegados a «Calecute surgiram desentendimentos e o porto foi bombardeado, tendo morrido vários elementos da armada cabralina, entre os quais Pero Vaz de Caminha.» [AQUI] Era dezembro de 1500.

A partir deste ponto o suposto historiador goês Rabindranath Fernandes, que não consegui encontrar, e cujo antropónimo remete para Tagore, e o apelido para a família paterna de Pêro Vaz [e outros goeses], inventa/cozinha a sua ressurreição às mãos de um velho brâmane, e uma confissão do atormentado Pêro Vaz a Frei Estêvão da Santa Cruz [também desconhecido], após pesquisa nos arquivos do Convento de São Francisco Xavier, que também não encontro [será que existe ou existiu este convento? Peço a tua ajuda Osvaldo.]

Na busca do paraíso na terra, Pêro Vaz, entretanto convertido ao hinduísmo, terá demandado o vale de Khajuraho, onde terá terminado os seus dias como prostituto [confusão com as bailadeiras / devadasi?] no templo de Kandaya Mahadeo, como atestaria escultura de homem barbado, de vestes e fisionomia diferente, em prática libidinosa.

O problema é que em Khajuraho não existe nenhum templo Kandaya Mahadeo, o mais parecido em termos de grafia é Kandariya Mahadeva/Kandariya Mahadeo , o maior de todo o conjunto classificado como Património Mundial. Este templo do deus Shiva, também conhecido como Maadeva / Mahadeva, terá sido concluído cerca de 1030, e alvo de destruição [vandalização] por parte dos muçulmanos em 1495 [AQUI], ou seja, pouco provável que Pêro Vaz por lá se encontrasse [relembro que os dados históricos apontam para a sua morte em 1500], e ainda fosse posteriormente imortalizado, anonimamente, na pedra. Entretanto Khajuraho fora abandonada, e os templos ao redor tomados pela floresta nos séculos que se seguiram.

Eis-me aqui a dar conta do sucedido, porque encontrei no meu amigo Jorge, da Livraria Nunes, o livro da capa que me fez recuperar, e tirar a limpo, o que tinha ficado de um relance passado na web.

Mais do que deslumbre crédulo, ou cretino reenviar, quiçá convencido de que comprou ouro por latão sem o saber, e o prazer do esforço que desconhece, a satisfação maior está na procura, e na descoberta do que mais se aproxima da verdade.

Certo é que Pêro Vaz escreveu a Carta, e o pintor paraíbano Aurélio de Figueiredo, meu conterrâneo por afinidade, o imaginou assim:


Imagem de domínio público.

a ler para Pedro Álvares Cabral, Frei Henrique de Coimbra e Mestre João.

Colateralmente encontrei o romance de Mircea Eliade, Uma Segunda Juventude, [seria mais feliz o literal Juventude sem Juventude, do título em inglês, também diferente do original em francês: Le Temps d'un centenaire], que deu origem a um filme de Coppola, Francis Ford. Mas está aqui este apontamento porque, e foi apenas uma coincidência do dia, Mircea Eliade contagiou-se com o português em Calecute, e Camões ficou-lhe para sempre.

Quem começou o sarapatel, mal cozinhado, arrisco eu, foi Rabindranath Fernandes [existes?], espero que o meu fique melhor.
És a mulher que passa
como uma folha
e deixas nas árvores um fogo de outono...
Na página 21, e estou quase a lá chegar, à outra página, está este excerto de poema de Ungaretti, que merece isto:



Pena que não estamos no outono, para conspirar mais uma coincidência... jardim misterioso.

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