terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O que aconteceu e não aconteceu [é uma adenda].

No permeio das minhas Composições, lembrei-me de colocar um raminho de Melia azedarach L., superficialmente humedecido pela chuva, nas páginas de um livro.



Procrastinei para o mês seguinte a sua revelação, mas fui esquecendo de propósito [na esperança de ficar melhor "tatuado"], e sem rasto de premeditação resolvi ir ver como estava no dia de Natal [súbita lembrança]:




Não ficou "tatuado", e para minha grande surpresa desmembrou-se, tal era a sua fragilidade.




Uma miríade de interpretações possíveis, mas contento-me com uma solução à Caeiro:
Um presente que se desembrulhou, para ti...

O poema no fólio escolhido para penumbrar o raminho, parte de um tríptico, é o seguinte:

1. O corpo dirige a palavra à sombra

O céu e a terra jamais irão desaparecer
as montanhas e os rios esses não mudarão nunca
ervas e árvores seguem regras imutáveis,
se a geada as engelha,
logo o orvalho as tornará viçosa de novo
o homem gaba-se de ser dotado de razão,
quase divino
porém ele é o único a quem as coisas
não acontecem assim
mal começa a sua viagem neste mundo,
logo parte sem data de regresso

alguém se apercebeu de que falta alguém?
pais e conhecidos pensarão nele ainda?
subsistem só os objectos que lhe pertenceram,
quando o olhar os cruza, aflito,
derrama-se em lágrimas
eu por mim não tenho o dom da imortalidade,
à mudança estou sujeito
irei morrer, sobre isso não há a mínima dúvida
segue portanto o meu conselho,
se tens por aí um bom vinho,
não o recuses assim sem mais nem menos.

Os títulos seguintes são:

2. A sombra responde ao corpo

3. Explicação da alma

Do livro Poesia e Prosa de Tao Yuanming, páginas 38 e 39, com tradução de Manuel Afonso Costa [AQUI].

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P.S.
Pensei agora: e se colar as folhas, e a hastezinha, no espaço em branco do poema de Tao Yuanming? Concordam?... [as folhas e o poema, ou a vossa opinião]

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