domingo, 27 de maio de 2018

Folhado.

Não o levava comigo consciente, nem tampouco tinha planos, bastava o que via. Talvez o Caeiro pastasse aqui o seu rebanho.



Completamente em desordem, e em desnorte, não fosse a companhia, e a curiosidade no olhar, atento porque me chamam as cores, afinadas pela lenta Evolução, procurando saber o que é, que nome lhe deram... prosaico de preferência.



Microcosmos de tudo, que nos engloba. Mas há também os cheiros, que se apuram nos dedos, o silêncio que permite educar o ouvido, no canto das aves e no tempo do vento. 



E quando parece que chegamos, da falésia não podemos saltar, o folhado que apenas conhecia de evocação poética, vivida por outrem, renova-me o caminho: não lhe conheço as flores, nem as variações diárias no perfume.



Obrigado José Carlos.


Um certo tempo no fazer das coisas ajuda a infiltrar, por isso digitei, não copiei-colei, o poema que dá o nome ao primeiro livro publicado pelo Sebastião da Gama.

SERRA-MÃE

O agoiro do bufo, nos penhascos,
foi o sinal da Paz.
O Silêncio baixou do Céu,
mesclou as cores todas o negrume,
o folhado calou o seu perfume,
e a Serra adormeceu.

Depois, apenas uma linha escura
e a nódoa branca de uma fonte amiga;
a fazer-me sedento, de a ouvir,
a água, num murmúrio de cantiga,
ajuda a Serra a dormir.

O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou
e anda agora à procura, pela Serra,
da verdade dos sonhos que na Terra
nunca alcançou.

E outros murmúrios de água escuto, mais além:
os Poetas embalam sua Mãe,
que um dia os embalou.

Na noite calma,
a poesia da Serra adormecida
vem recolher-se em mim.
E o combate magnífico da Cor,
que eu vi de dia;
e o casamento do cheiro a maresia
com o perfume agreste do alecrim;
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castiga
– passam a dar-se em mim.

E todo eu me alevanto e todo eu ardo.
Chego a julgar a Arrábida por Mãe,
quando não serei mais que seu bastardo.

A minha alma sente-se beijada
pela poalha da hora do Sol-pôr;
sente-se a vida das seivas e a alegria
que faz cantar as aves na quebrada;
e a solidão augusta que me fala
pela mata cerrada,
aonde o ar no peito se me cala,
desceu da Serra e concentrou-se em mim.

E eu pressinto que a Noite, nesse instante,
se vai ajoelhar...

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Ai não te cales, água murmurante!
Ai não te cales, voz do Poeta errante!,

– se não a Serra pode despertar.

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folhado: Flor da Serra.

À nota de rodapé que aparece na página 35 do livro, acrescento agora esta nota de rodapé, que remete para a mensagem anterior:
perfume agreste do alecrim: Cheira mal.
E assim o melindre se desfaz, no entendimento, com a ajuda de um poeta. E não é só na forma, mas na atitude.
Obrigado Sebastião.

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