quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Mesa [ex] posta...

À procura de um local, que afinal está cercado, andei ao redor, e na impossibilidade de entrar fui observando à distância, e restou-me o céu, parece...



os braços sinuosos de um rio que irrigam uma imensa floresta. Invertendo o canal de cor azul da imagem, um pouco mais de contraste e uma ligeira correção gama, fica assim:



Um Amazonas se revela. Descendo à terra, a "ramalhal figura" no meio do jardim. «O português, se é magro, trota», dizia, e dei por mim a pensar que há um certo trotear nas minhas passadas diárias. Bem observado Ramalho.

O porte arbóreo do Ramalho na estátua de Numídico Bessone.


E voltei à Casa / a casa...


Afinal queria tão somente estar na companhia da Fernanda de Castro, desembrulhada do papel precioso [escasso e simples] que outrora embrulhava o pão. Recordo a Dona Alice da padaria, penso que ainda é viva.

No primeiro volume das suas memórias, página nove, leio o seguinte:

«Não sei se é um bem, se um mal esta corrida para o espaço, mas não posso esquecer os olhos angustiados daquela criança que me perguntou ao ver no cinema um foguetão apontado para o céu:

— Vão matar os anjos?
Sim, confesso: estou de mau humor por causa da Lua.

A Lua sempre foi dos poetas, não esse miserável planeta que os sábios inventaram, mas

A Lua que eu amo,
Nimbada de luar,
Algo de branco, puro,
Inacessível,
Algo para cantar
quando o silêncio, a noite, a solidão
são lágrimas de sangue que o Poeta
se recusa a chorar.

Ainda a propósito da Lua: julgamos conhecer os outros e nem sequer nos conhecemos a nós. Nunca me considerei especialmente romântica, e afinal parece que sou. Aborrece-me que os homens vão à Lua, que transportem para a Lua os seus pequenos problemas, os seus micróbios, os seus miseráveis engenhos. E mais uma vez me vêm à memória aquelas palavras dum cavador de enxada em Castelo Novo, na Beira Baixa, tinha eu quinze ou dezasseis anos:

— A menina sabe porque é que o Sol é tão bonito?
Logo a seguir, sem me dar tempo a responder:
— É porque os homens não lhe tocam!

Tenho estado a pensar que a solução seria, talvez, escolher, adoptar, promover outro planeta, ou, já agora, uma estrela. Mas não, nenhum astro me parece já suficientemente distante, definitivamente inacessível. O melhor será inventar um planeta para uso exclusivo dos poetas, como um nome branco, suave, com ressonâncias de harpa eólica:

Luália
da lívida brancura da magnólia,
do pálido esplendor
da camélia, da azálea.

Ou então:

Luélia
clara, distante,
a palidez de Ofélia.»



A leitura continua. O segundo volume trouxe-mo a minha irmã da Livraria Esperança, na ilha da Madeira, não tinham o primeiro volume, mas por mãos amigas acabou por vir parar às minhas mãos. Mãos irmanadas. Na capa a Fernanda de Castro aparece retratada por Tarsila do Amaral [óleo sobre tela de 1922]. Se a semente alada da tipuana, qual marcador de livro, me levou ao Jardim de Santos para iniciar a leitura do volume, não consumada por estar fechado o jardim, foi na feita mesa na Casa Roque Gameiro que comecei a saborear o livro. Falta [re]embrulhar o livro com o papel da padaria, porque o livro também é pão. Tentei, mas não consegui, sem ter de cortar a folha, o que obviamente me recusei.


2015/06/20 / 11:40:04 AQUI.

Nas nossas tipuanas
No tapete amarelo-dourado ou na semente alada
Encontra-se o que não se procura...

Que permeia e nos eleva
Que salva e dá sentido

A beleza espalhada pelo mundo.

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