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O mesmo plátano em Sintra, majestoso, pela manhã: 11 de julho e 12 de dezembro de 2015. |
Um poema lido, ou escrito, alivia. Lido no entendimento, é a sublimação do que nos está a acontecer. Na escrita é a libertação, mais ou menos exposta, é sempre possível manter o segredo, assim o queiramos, no entanto o que nos revolve está ali exposto... enjeitado.
O maquinal "Calçada de Carriche" (António Gedeão) continua a fazer parte dos meus dias, porque me revejo nele, não sei até quando.
Luisa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luisa,
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luisa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou-se o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luisa arqueja
pela calçada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
A minha alegria matinal (é minha) remete para o Sebastião da Gama, a Golgona Anghel é um arrebatamento passado que passou (faz tempo que não releio), a Matilde Campilho que continua adstringente como o álcool que não bebo, o Dylan Thomas da minha crise lombar, o Carlos Queiroz dos banhos de mar, "contente como um peixe" (eu)... é a minha apropriação da poesia, provavelmente, certamente... mente estapafúrdia (a minha).
A Feira do Livro de Poesia termina hoje, estive lá no domingo, entre folhas. Olhei para cima e "li", aterrei no papel e li... deram-me a conhecer os poemas volantes do Ruy Cinatti («Corpo Santo» editado pela Averno).
Distribuir poemas em folhas pela rua, pelos conhecidos e desconhecidos... já tive vontade... tenho vontade... de fazer, com os dos outros, pois não tenho dos meus... Poemas.
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Lódãos (Celtis australis) no Jardim da Parada, em Campo de Ourique. Lisboa, 19 de março de 2017. |
Folhas, sentido(s), sentir... sinais.
É dia da Árvore e da Poesia... dá Alegria :)
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