domingo, 13 de março de 2016

Na terra e no céu...

... o que se me oferece, literalmente ao meu encontro vem, e da cor que salta ao olhar o desejo de aproximar, o tocar, o «ler».



Foi o que aconteceu esta semana, prenuncio da primavera. O torpor dos sentidos, que nos recolhe, dá espaço ao abrir de novas janelas de sensibilidade. Os dedos ainda estão frios e insensíveis, mas o olhar puxa, o vento contraria, mas é mais forte o prenuncio da cor... a cor e as formas que se vão preenchendo e sobrepondo...



o caminho que se vai descortinando, desenhando, que é o esperado num renovado inesperado.

A montante da semana tinha encontrado, descoberta para mim, um poema do Ruy Belo sobre as casas AQUI (com tradução para inglês de Richard Zenith), e que transcrevo aqui:
Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo

Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
Nas primeiras leituras o destacado a amarelo levou com o meu contesto, o restante foi, é, de uma clarividência assombrosa, logo eu que gosto de olhar as formas das casas, o que o tempo lhes faz, o que os homens lhe fazem, os letreiros com os nomes das ruas onde ficam as casas, mas que guardo um certo pudor em olhar o interior de casa alheia... a intimidação da intimidade (descobri com o poema).

Continuo sem perceber como podem os pobres conhecer tudo, ou conhecer as casas, e não apenas a casa. É certo que há pobres que trabalham para gente rica, e nesse sentido conhecem um pouco de tudo do que lhes é dado a conhecer. A pobreza acicata e empurra, para o bem e para o mal, deixa marcas, sulca, será esse o conhecer?

Espécie invasora, dito assim é um desconsolo e uma agressão. É a erva-azeda que aparece nas fotos, e cujo nome a Inês me revelou. Oxalis pes-caprae L., nome científico, que não deixa margem para imprecisão.

20 de março, às 04h30, o início da primavera 2016 em Portugal.

21 de março, Dia Mundial da Poesia e Dia Internacional das Florestas. O que fazer.

----------------------------------
P.S.

1 comentário:

  1. Meu caro genro,
    Ao ver o teu melancólico, fiquei também, em estado melancólico, e por quê?
    Explico:
    Dois fatos foram responsáveis:
    1) a exposição de orquídeas e camélias no Palacio Nacional;
    2) O belo e expressivo poema "As Casas".

    O primeiro porque sou um amante das orquídeas e o segundo porque me fêz refletir profundamente.
    Ao ler, estava na rede, a descansar, no alpendre superior da "minha" casa.
    Lendo o poema,olher para a casa que viu chegar para minha companhir, espíritos que há muito me acompanham: Chica, Roberta e Danielle.
    Minha casa? por quê minha?
    Ela já existia anter de ser,
    Antes de nela pensar, ela era no espaço que hoje ela ocupa. Nasceu no campo físico, a partir de 1975, e ainda não atingiu sua puberdade.
    Seu esqueleto? imaginei que o fazia, quando ela me construia. Fui, levado pelo meu sonho e necessidade de ocupar seu espaço, ocupando seu espaço, sem sua revolta e com ousadia.
    Vi-me diante dela, como vejo agora, parte de um sonho, que não é só meu, mas que por muito tempo há de perdurar.
    Se suas filhas não há destruir, há de aqui permanecer e parmanecerá, mesmo que a incongruência, orgulho, vaidade e ambição do homem não derrubar sua estrutura. Ela aqui permancerá, pois é parte de nossos sonhos e de nossas contruções interiores.

    Sei que você compreende o que digo, e que você, com a Roberta e o Gustavo, entendam isto.

    Mas não só esta, mas a "Casa da Terra", onde nasceu o compadre e a comadre.

    Amemos a casa e nos curvemos ao poema que nos fêz despertar, do poeta Rui Belo.

    Do sogro que muito vos ama.

    Samuel

    ResponderEliminar