quinta-feira, 21 de março de 2019

Excerto enxertado?

O excerto vem daqui, um poema que se presta muito a prestações. O pedaço remete-me para o Cosmos, mnemónica subvertida pelo inconsciente.
Temos tão pouco do tanto que nem pensamos, e acabamos.

[...]
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
[...]





Creio que houve aqui uma enxertia: versos de poema que se aplicaram sobre outra poesia, e que se desenvolveram:

Algum dia o poema será a buganvília
pendente deste muro da Calçada da Graça.
Produz uma semente que faz esquecer os jornais, o emprego e a família,
e além disso tudo atapeta o passeio alegrando quem passa.

Mas antes desse dia há-de secar a buganvília
e o varredor há-de levar as flores secas para o monturo.
Depois cairá o muro.
E como o tempo passa
mesmo contra vontade,
também há-de acabar a Calçada da Graça
e o resto da cidade.

Então, quando nada restar, nem o pó de um sorriso
que é o mais leve de tudo que se pode supôr,
será esse o momento de o poema ser flor,
mas já não é preciso.

Poema da buganvília, assim o criou António Gedeão [in Linhas de Força, 1967].

Será que ainda existe na Calçada da Graça?
Procurarei indagar, afinal a poesia é bem real de alcance prático.

E o pó de um sorriso?

terça-feira, 19 de março de 2019

A primavera chega de noite...

quase em Lua Cheia, mas não é assim que a vejo. É pela manhã, de um dia 21, um hábito que só com o tempo volta. Nisto de revoluções e frio vem tudo do espaço, e ocorre-me logo o binómio de Newton, ou as palavras de Feynman, a beleza que se esconde num equinócio.

ASH diz que é «a estação do ano que pior literatura produziu ao longo da história da humanidade», e há quem construísse jardins para a perpetuar [ver página 15]. De tudo isto não sei o que dizer, apenas que me chega um certo conforto de alma. É bom sentir a primavera com os sentidos do Caeiro, ou na carne como o Queiroz. É tudo quanto me basta. Fico com o que tenho e o que dou.


Possivelmente uma Abutilon darwinii, fotografada por mim no sábado passado, sobre esta notícia. Na berma da estrada, tive de me desviar de um carro que passava, e foi então que a olhei. O grande plátano deixou de ser nesse momento o foco da minha atenção. Aconteceu em Sintra, descendo para a Ribeira.

Mas o melhor de tudo é ver-te assim, a ler no banco do jardim [da Correnteza]... deitada, absorta, aberta... e amanhã ser Dia da Poesia [a vinte e um].

Não é inspiração, é necessidade.

domingo, 10 de março de 2019

Enfolhamento de um freixo.

O meu início de dia tem um ponto objetivo de partida: um freixo. Como é uma árvore de folha caduca, vai alterando a sua copa ao longo do ano. Folhas viçosas e tenrinhas estão neste momento a ganhar força, e a árvore vai-se vestido a caminho da primavera.

É este ciclo que vos quero mostrar, mas como andei distraído, contente de a contemplar, o que faço há alguns anos, esqueci de a fotografar despida [também fica bonita]. Sábados de março, aproximadamente à mesma hora da manhã [há cada vez mais luz] comecei a minha empreitada.


02



09



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É um freixo-comum ou freixo-das-folhas-estreitas [Fraxinus angustifolia], solitário e alcantilado numa encosta. Tem o seguinte porte:




O seguinte tronco:




As seguintes folhas:




É de freixo a lança de Aquiles e o bastão do Gandalf, e foi num freixo que se refugiou um cavaleiro visigodo, em Freixo de Espada à Cinta. Da mesma família da oliveira, era considerada a "Quinquina da Europa".

E ao seu redor podemos encontrar a vulgar erva-azeda [Oxalis pes-caprae], mas que é sempre bonita.





Prazeres simples, mas que resultam sempre.