domingo, 27 de janeiro de 2019

Poíema.

Pelo grego dá «obra», e da poesia se diz, na mesma língua, que é «ação de fazer alguma coisa». Hoje sem querer, é sempre a mesma coisa, encontrei uma entrevista da Agustina Bessa-Luís, quando procurava uma definição de que gosto muito, para colocar na parede da cozinha [também se comem palavras], onde ás tantas diz o seguinte:


« [...] na poesia não há pensamento, há palavras. É a arte da sensualidade sensibilidade [palavra que estou sempre a trocar] e da colocação das palavras.»


Esfumou-se no tempo, agora resta o esbatido fumegar na sobreposição de planos, que ateia o que se quer ver.

Entretanto leio o poema Poema de Sophia, e aqui não tanto sem querer, e fico um pouco "deslocado" como a chaminé de permeio, que está aqui tão somente porque me cruzei com ela na quinta-feira em Chão de Codes, a propósito de uma vida que se findou.

POEMA

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita 

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro

Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações

Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar

São minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade

Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento 

E a hora da minha morte aflora lentamente

Cada dia preparada

Sophia de Mello Breyner Andresen [AQUI]


Lendo para mim, em voz alta, arando o poema...

O meu interior é uma atenção voltada para fora

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações

Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento


Palavras pensadas, argamassa da minha alvenaria,
Sinónimo pra Poema.