«Por outro lado, o soneto que começa com "Quando voltei" reporta-se a um regresso à praia onde o poeta reencontrou os passos que lá tinha feito.»
Quando voltei encontrei os meus passos
Ainda frescos sobre a húmida areia.
A fugitiva hora, reevoquei-a,
— Tão rediviva!, nos meus olhos baços...
Olhos turvos de lágrimas contidas.
— Mesquinhos passos, porque doidejastes
Assim transviados, e depois tornastes
Ao ponto das primeiras despedidas?
Onde fostes sem tino, ao vento vário,
Em redor, como as aves num aviário,
Até que a asita fofa lhes faleça...
Toda essa extensa pista — para quê?
Se há de vir apagar-vos a maré,
Com as do novo rasto que começa...
No meu parco, apressado, e recente entusiasmo pela obra, fiquei na dúvida se não seria o soneto "Regresso ao lar", a que se refere Fernando Pessoa em carta ao autor:
«Ao soneto que considero o maior de todos os seus, e é sem dúvida um dos maiores que tenho lido — “Regresso ao Lar” — , não me refiro, visto que o seu assunto, infelizmente, inibe (e creio ser essa a vontade de V. Exa.) que ele se publique.» AQUI
Enquanto este ["Quando voltei"] foi publicado em 1916, na revista Centauro, juntamente com outros 14, que foram o embrião da Clepsydra, o outro ["Regresso ao lar"] consta dos perdidos.
Bem mais tarde, em 1935, Álvaro de Campos também "Regresso[u] ao lar" assim [AQUI]:
Há quanto tempo não escrevo um soneto
Mas não importa: escrevo este agora.
Sonetos são infância e, nesta hora.
A minha infância é só um ponto preto
Que num imóbiI e fútil trajecto
Do comboio que sou me deita fora
E o soneto é como alguém que mora
Há dois dias em tudo que projecto.
Graças a Deus, ainda sei que há
Quatorze linhas a cumprir iguais
Para a gente saber onde é que está...
Mas onde a gente está, ou eu, não sei...
Não quero saber mais de nada mais
E berdamerda para o que saberei.
Mas o que verdadeiramente me fez ligar tudo foram as palavras do poeta Sebastião da Gama, reveladas por Maria de Lourdes Belchior no prefácio que fez para o livro "Campo Aberto":
«Tenho notado em mim esta outra coisa: que às vezes um pormenor físico exterior é como que o despertador de coisas que viviam em mim mas que eu não exprimia; e que esse mesmo pormenor vai aparecendo no poema de tal modo que, aos olhos de quem me lê, ele não é mais do que um símbolo inventado, quando ele é, de facto, um símbolo visto»,
e como remate, de contradição [minha], o seu poema "Condição", de 1950:
Constrói ao menos
qualquer coisa efémera.
Pois mais não podes ser,
sê ao menos efémero.
Grava os passos na areia,
desenha sobre a estrada
teu vulto.
É melhor do que nada.
A desfazer-te o rastro
virá o Mar, é certo.
Virá, é certo, a Noite
beber a tua sombra.
Efémero? Serás...
Mas presente
no Mar, eternamente;
na Noite, para sempre.
SEBASTIÃO DA GAMA
in "Campo Aberto", 5.ª edição de janeiro de 1999, Ática, páginas 121 e 122.
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É meu o poema "Quando voltei".
Inteiro sou ASSIM, como me desenhou Leal da Câmara.
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Marcas de areia... sim, pedregoso fluir de ampulheta...
Marcas na areia... ao tempo...
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Fui ASSIM, quando fui colocada na página 95, a marcar o soneto Caminho. |
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Post scriptum
Aprende a renunciar
a tudo
até mesmo ao silêncio
in "A Papoila e o Monge", 1.ª edição de novembro de 2013, Assírio & Alvim, página 36.
Para que aqui fique assinalada a investidura de D. José Tolentino Mendonça [5 de outubro de 2019].
O que querem dizer estas três linhas?