Foi o título que desceu em mim, para um conjunto de fotos que já é um hábito [cíclico também], uma quase vestimenta interior, que me leva a prestar atenção ao que piso... e como é bom depois levantar, suavemente, os olhos para o alto, um contentamento que se fixa na retina do cérebro, e se entende na transcendência de coisa tão insignificante...
Caí, mudei...
A chuva é verniz, espelho e brilho que acrescenta novas subtilezas...
Abre um mar de visões...
Volta a dar alguma plasticidade, à força de arrastar...
Mas um dia seguinte, enxuto, pode trazer alguns prodígios de quase levitação...
Ampliados pelas distensões sofridas: molhar-secar, arrastar...
Pisar... e assim me vou dissolvendo...
Aceitando o risco de não ter escolha...
E a água aqui tão perto.
Poema das folhas secas de plátano
As folhas dos plátanos desprendem-se a lançam-se na aventura do espaço,
e os olhos de uma pobre criatura
comovidos as seguem.
São belas as folhas dos plátanos
quando caem, nas tardes de Novembro,
contra o fundo de um céu desgrenhado e sangrento.
Ondulam como os braços da preguiça
no indolente bocejo.
Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,
traçam erres e esses, cicloides e volutas,
no espaço escrevem com o pecíolo breve,
numa caligrafia requintada,
o nome que se pensa,
e seguem e regressam,
dedilhando em compassos sonolentos
a música outonal do entardecer.
São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.
Eram verdes e lisas no apogeu
da sua juventude em clorofila,
mas agora, no outono, de si mesmas,
o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,
deixou-se trespassar por afiados ácidos.
A verde clorofila, perdido o seu magnésio,
vestiu-se de burel,
de um tom que não é cor,
nem se sabe dizer que nome tenha,
a não ser o seu próprio,
folha seca de plátano.
A secura do Sol causticou-a de rugas,
um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,
e esta real e pobre criatura
vendo o solo coberto de folhas outonais
medita no malogro das coisas que a rodeiam:
dá-lhes o tom a ausência de magnésio;
os olhos, a beleza.
António Gedeão [AQUI e AQUI]
Tradução por
Translation by
Christopher Damien Auretta and Marya Berry [HERE]
Poem of the platane’s dry leaves
The leaves of the platane tree descend and launch into the adventure of space,
and the eyes of a guileless creature,
moved, follow them.
The leaves of the platane tree are beautiful
when they fall November afternoons,
against the infinity of a dishevelled, bloody sky.
They undulate like the lazy arms
of an indolent yawn.
Rise and fall, wag and repose,
trace i’s and s’s, cycloids and volutes,
write in space with their tiny stems,
in an elegant calligraphy,
any name one fancies,
and they oscillate,
punctuating, in somnolent scores,
a late-afternoon’s autumnal theme.
The leaves of the platane are lovely, scattered on the ground,
green and smooth in the apogee
of their chlorophyll youth.
But now, in their autumn,
their aged cytoplasm, scorched and rent by the sun,
has been eaten away by corrosive acids.
The green chlorophyll, its magnesium lost,
is russet-dressed,
a shade that is colorless,
(which we do not know what to call,
outside its proper name:
dry platane leaf).
The sun’s furnace has cracked the leaf,
a dense darkening accentuates its veins,
and this real and guileless creature,
seeing the ground covered with autumn leaves,
ponders the ruin of things about it.
They owe their hue to magnesium’s absence,
to those eyes, their beauty.
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Post scriptum
«Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra»
O que encontrei quando procurei pelos "Corações ao alto", AQUI, na página 79. Andava intrigado e pelo menos descobri de onde ouvi. Ontem, no funeral do Dr. Luís Coelho, também descobri que "a Fé ilumina, não tira a dor" [palavras do Padre]. Continuo com o problema de base [a falta de Fé], mas pelo menos vou-lhe tateando os contornos, é que para mim a Fé era [também] um analgésico. Pelos vistos há mais além, e eu continuo tão pagão, como as minhas folhas, e carrego inquietação.
Tento, no conhecimento, adquirir a fé que ainda não tenho.
ResponderEliminarCreio que a fé não tira a dor, mas oferta a calma para suportá-la.
Ver as folhas mortas, espalhada no chão do outono, é lembrar que é o resquício de uma semente que foi morta e que, sepultada, floresceu e ofereceu flores e frutos.