2018/05/05 / 08:52:40 |
É com esta visão que surge o título da mensagem, mas o pensamento tem andado ás voltas com a palavra paisagem, e o esmiuçado que em torno dela se faz no artigo "A desintegração da paisagem" de Emanuel Pimenta. A minha epifania: entender o abarcar no movimento.
Esta charneca, que se vai abrindo à saída da aldeia de Gouveia, em direção ao Carrascal, tem horizonte de mar e a horizontalidade da Serra de Sintra como entreténs do olhar, um acesso à higiene física e mental, em que se vai alternando a preponderância de cada um deles, conforme o sentido em que se percorre a estrada que a corta, e que outrora não disponha de iluminação pública, acrescentando então uma vasta ausência noturna que nos interpelava.
Iluminada pela manhã, ou sombreada pela tarde, mas sempre percorrida em movimento automóvel, é de uma voluptuosidade reconfortante, que pode ser servida com ou sem música, com ou sem vento, e se houver necessidade de gritar, gritar.
2018/05/05 / 09:00:54 |
À pergunta disfarçada: acho que vou enviar uma mensagem ao José Carlos a perguntar se ainda dá tempo de ir à caminhada na Arrábida, respondes-te: sabes que dia é hoje? Sei, o Dia da Mãe... Serra-Mãe... tem tudo a ver. E assim fiquei a saber o que teria de fazer. Não fui ter com a Serra Mãe, e escrevi para cumprir uma necessidade.
Charneca em flor, ou o ninho de uma flor. 2018/05/05 / 09:11:40 |
CHUVA OBLÍQUA
I
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...CHARNECA EM FLOR
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Sóror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
Florbela Espanca, AQUI.
P.S.
- Estão feitos, vistos e batidos, gastos no uso vulgar de quem não presta atenção. Os versos e a vida, nos tempos que correm.
- Como "cama de lavado", assim o "lavar os olhos de paisagem", mas também poderia ser: lavar os olhos na paisagem. Preferi a primeira, foi assim que "nasceu"... é a paisagem que relaxa os olhos e lava a alma, um olhar de lavado, o ver de outra forma, o ver melhor, o ficar a ver melhor, o ficar melhor...
- «Carta do Monte Ventoso» [Francesco Petrarca], AQUI.
- «Descoberta da Beleza da Paisagem» [in «A Civilização do Renascimento Italiano» de Jacob Burckhardt; um livro que me diz muito], AQUI.
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