segunda-feira, 6 de junho de 2016

Folhas de trazer por casa...

... que me acompanham quando saio. A sua escolha foi premeditada, era assunto que tinha em mãos. Fáceis de transportar, prontas para sublinhar, anotar, ou escrever no que sobrar. Abandonar, ou perder, também não é problema de maior. E foi assim que, carregando uma forte dor lombar, me apresentei de manhã na urgência do Hospital de Santa Maria, faz hoje uma semana.

Vários poemas e traduções, uma pequena biografia do autor: Dylan Thomas. Eis o que carregavam as nove folhas, quase todas frente e verso preenchidas. Tinham sido colhidas AQUI, AQUI, AQUI e AQUI.

Triagem, exame, radiografia, tratamento e veredicto, e o tempo foi passando... dores, de pé ou sentado, corredores e enganos, atenção presa na ansiedade de ouvir o meu nome a ser chamado novamente. De permeio as folhas, o poema, AQUI:

DO NOT GO GENTLE INTO THAT GOOD NIGHT 

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

O confronto com as traduções...


A tradução do Ivan Junqueira, AQUI:

NÃO ENTRES NESSA NOITE ACOLHEDORA COM DOÇURA

Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva lhes perdura,
Porque suas palavras não garfaram a centelha esguia,
Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os bons que, após o último aceno, choram pela alvura
Com que seus frágeis atos bailariam numa verde baía
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea altura
E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua travessia
Não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os transfigura
Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se alegraria,
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

E a ti, meu pai, te imploro agora, lá na cúpula obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.


A tradução do Augusto de Campos, AQUI:

NÃO VÁS TÃO DOCILMENTE

Não vás tão docilmente nessa noite linda;
Que a velhice arda e brade ao término do dia;
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Embora o sábio entenda que a treva é bem-vinda
Quando a palavra já perdeu toda a magia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O justo, à última onda, ao entrever, ainda,
Seus débeis dons dançando ao verde da baía,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

O louco que, a sorrir, sofreia o sol e brinda,
Sem saber que o feriu com a sua ousadia,
Não vai tão docilmente nessa noite linda.

O grave, quase cego, ao vislumbrar o fim da
Aurora astral que o seu olhar incendiaria,
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.

Assim, meu pai, do alto que nos deslinda
Me abençoa ou maldiz. Rogo-te todavia:
Não vás tão docilmente nessa noite linda.
Clama, clama contra o apagar da luz que finda.


E assim não me entreguei, facilmente, ao desanimo. A minha insatisfação ficou entre as duas traduções. Procuraria outras quando chegasse a casa. E porque não tentar a minha? Andei volteando em torno das estrofes, a quinta lançou-me na confusão. Pega e larga, por vezes sem saber o que fazer, a «dor» que se alivia na suposta descoberta de uma via de intrepretação. O incitamento e o sinal de alerta no final de cada estrofe... o poema nos consome e alivia... Do not go gentle into that good despair... Rage, rage against the pain... 

Encontrei mais uma tradução, a do Fernando Guimarães, AQUI:

NÃO ENTRES DOCILMENTE NESSA NOITE ESCURA

Não entres docilmente nessa noite serena, 
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.

No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,
porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.

Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia
o brilho das suas frágeis ações ter dançado na baia verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E os loucos que colheram e cantaram o vôo do sol
e aprenderam, muito tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente nessa noite serena.

Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que cega
quanto os olhos cegos fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria
venhas beijar ou amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entres docilmente nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz que começa a morrer.

Numa derradeira tentativa de encontrar mais um contorno para o poema experimentei o Google Tradutor, e ficou ASSIM. Fica em aberto o meu «contorno». A tradução de um poema é sempre um «contorno», mais ou menos conseguido, não só pela forma como é pressentido, como pela língua que lhe irá pedir emprestado o corpo... e o vestir (a silhueta).


Dylan Thomas
https://escamandro.wordpress.com/2014/10/28/dylan-thomas/


Russell Banks, entrevistado pela Euronews, é confrontado com um artigo seu, escrito nos anos 80, sobre Bernie Sanders, e cuja leitura me levou à descoberta deste poema, e poeta, dias antes da minha crise lombar. Tudo perfeitamente não linear :)

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Post scriptum:
Os jacarandás da Rua Dom João V e do Largo do Rato estão lindos.

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