domingo, 24 de janeiro de 2021

Sob o signo de Aquário.

Por superstição não leio horóscopos, queimam a atenção, minam a confiança. Sou Touro de ascendente Aquário, se bem me recordo do que a minha irmã me disse, quando se irritava com as palavras de Carl Sagan [1]:

«Porque somos tão facilmente enganados por videntes, por pessoas que sabem ler a palma da mão, as folhas de chá, o tarot, o I Ching e por outras do mesmo tipo? [...] Um instrumento-chave é um texto com uma declaração de predisposições contraditórias tão bem equilibradas que toda a gente reconhecerá nela uma ponta de verdade. Eis um exemplo:

Por vezes você é extrovertido, afável, sociável, embora outras vezes seja introvertido, tímido e reservado. Acha pouco sensato ser demasiado franco a revelar-se aos outros. Prefere uma certa dose de mudança e variedade e fica insatisfeito quando lhe põem restrições e limitações. Disciplinado e controlado no exterior, interiormente tende a ser preocupado e inseguro. Embora tenha certas fraquezas de personalidade, em geral é capaz de as compensar. Tem muitas capacidades não utilizadas, de que não tira proveito. Tem tendência para se criticar a si mesmo. Tem uma forte necessidade de que outras pessoas gostem de si e que o admirem.

Quase toda a gente se consegue reconhecer nesta caracterização e muitas pessoas sentem que ela as descreve perfeitamente. Não admira: somos todos humanos.»

O signo de Aquário começou a 21 de janeiro de 2021, é o que consta no meu eclético calendário de trabalho, em papel: efemérides, feriados, luas, agricultura, provérbios, o nascer e o pôr do sol, o santo de cada dia. Não tinha dado por ele, o Aquário, mas sim o São Vicente do dia seguinte, padroeiro esquecido de Lisboa, presente no símbolo municipal: graves e nobres corvos dos bons tempos ancestrais; assim traduziu Pessoa.

Mas eis que triste e fortuito espetáculo encaminhou o olhar para o que estava escrito na capa do LP, escarrapachado no chão do meu caminho da passada sexta [22], pós entrada em Aquário [21]. Ficou na memória, para desvendar no dia seguinte, sábado, também em ocasional comentário dos pequenos nadas que nos acontecem todos os dias: Aquarius, é o que Google revela na primeira linha do pesquisável 5th Dimension Let The Sunshine In. Afinal, embora antiga e fora dos meus gostos, a música é bem conhecida [Aquarius é a primeira faixa].


Desfasadamente, acabo por estabelecer a ligação calendarizada, mas também não é nada de extraordinário [2]:

«O facto de as coincidências ocorrerem frequentemente confunde a nossa intuição, porque cada coincidência individual é, na verdade, um acontecimento raro. Por vezes a experiência espantosa e inesperada de uma coincidência rara tenta dar-nos um significado mágico a acontecimentos aleatórios. Dar significado a ocorrências aleatórias é uma grande fonte para todos os tipos de tolices místicas. Na realidade, a vida de cada indivíduo é uma longa sequência de acontecimentos incrivelmente improváveis todos juntos - os trilhos das nossas vidas estão repletos de magia. Considere, por exemplo, a incrível cadeia de acontecimentos que o trouxeram até este livro e até esta página. Pense em todas as circunstâncias improváveis que o levaram a pensar no assunto das coincidências enquanto lê esta mesma frase - onde falamos sobre coincidências! Que coincidência espantosa!»

Pena que só tenha sobrado a capa, do vinil nem rasto. Veio comigo, imunda, e feita uma primeira limpeza, aguarda [melhor] destino.




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[1] "Um Mundo Infestado de Demónios" de Carl Sagan, 2.ª edição de março de 1998, Gradiva. Na ilustração da capa temos um pormenor da xilogravura de Lucas Cranach, o Velho, Santo António Levado pelos Demónios. Na edição mais recente temos a reprodução de um dos Caprichos de Goya: «La fantasía abandonada de la razón produce monstruos imposibles: unida con ella es madre de las artes y origen de las maravillas». Premonitório e lapidar.

[2] "O Matemático Disfarçado", de Edward B. Burger e Michael Starbird, 1.ª edição de novembro de 2009, Academia do Livro.

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