Assinava-os como A. B. Kotter, e durante muitos anos li-os acreditando que era um inglês, mais um, dos que se encantaram por Sintra, e pelo nosso país, perspicaz observador da terra e das gentes, com a particularidade de ser cliente do Bananeiro em Colares, facto que denunciava de vez em quando nos seus Bilhetes, e que constituía motivo acrescido do meu interesse, pois o Sr. João Fernandes Evangelista [se a memória não me falha], o Bananeiro como era conhecido, madeirense, talvez de Santana, especulo eu, porque tinha um cartaz emoldurado da freguesia, era por sua vez nosso cliente. Na sua loja era ponto assente: bananas da Madeira e vinho de Colares, réstias de alhos e cebolas, as preferidas do meu pai, as mais diversas hortaliças e frutas, de que destaco peras, pêssegos e maçãs, tudo da região, e que fariam também as delícias do Dr. Kotter, imaginava eu. Mercearia e charcutaria, fina no esmero e qualidade dos seus produtos.
O Bananeiro era nosso cliente de longa data, e a minha adolescência decorreu a trabalhar com o meu pai nas férias grandes, fornecendo produtos de charcutaria, queijos, conservas, e por lá encontrei a D. Fernanda e o Sr. Manuel, filha e genro do Sr. Fernando [as pessoas tratavam-no assim], as empregadas D. Rosa, que me viu crescer, e a Cidália, pouco mais nova do que eu, que também estava a crescer, estimada pelo Sr. Fernando por ser trabalhadora, aprendia rápido e atendia bem os clientes.
O Pomarinho da Várzea dá seguimento ao legado do Bananeiro, o seu neto Pedro, a esposa Micaela, e restantes familiares, continuam com o negócio, e nós continuamos a fornecer. Como escreveu o Dr. Kotter "tenho contas no Espírito Santo e no Bananeiro". A agência já não existe, o embaixador partiu hoje, e em longínqua memória esperava cruzar-me com o Dr. Kotter no Bananeiro, o que nunca aconteceu. Cresci a ler os seu Bilhetes.
Ainda guardo jornais com os seus Bilhetes [na urgência de escrever não os fui procurar no amontoado de jornais, que por alguma razão em especial guardo], e só descobri que era heterónimo do embaixador José Cutileiro, irmão do escultor João Cutileiro, quando foram reunidos em livro, primeiro pelo jornal O Indendente, depois pela Assírio & Alvim.
Estou tentado: o que tenho não tem tudo, é mais passado vivido, ou o que escreveu mais recentemente, e que não li...
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Post scriptum
Verão para mim é sinónimo de frescura na água represada, parcimoniosamente liberta para o leito, em direção à Praia das Maçãs, e brisa agitando as folhas dos plátanos que ladeiam a Alameda Coronel Linhares de Lima, a "Adéga Regional de Colares", as Caves Visconde de Salreu [a chegar ao centenário], a Toca, na Várzea de Colares e Banzão, onde fica o Pomarinho. Pena que é quase sempre em trabalho, e nunca consegui ter uma casa por cá. É sem dúvida o trajeto mais bem querido da minha vida passada, e continuo a sentir um conforto tão grande quando a cruzo em direção ao mar, mas também em sentido contrário, embicando para a Estrada Nova da Rainha, atravessando a Serra de Sintra em direção à vila, o que já não é possível.
Escolher um local para o topónimo, Kotter ou Cutileiro [o Beco do Kotter, com souplesse & frolic], em Colares de preferência, talvez não seja despropositado. A ver vamos.
Não conhecia. Amei.
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