segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Uma pele de raposa.

Comentou comigo que também caçava coelhos e raposas com armadilhas, como aquelas da notícia do jornal, e mostrou-me a fotografia:


A leitura do Correio da Manhã, no seu escritório do armazém, era uma rotina diária.

Teria 12 anos, e no local onde a armou não a encontrou, mas a vegetação rasteira estava revolvida, talvez do animal a se debater. Mas não se ficou por aqui, indagou nos meandros da aldeia e encontrou nas traseiras da casa do António Eugénio uma pele de raposa, preparada numa armação e a secar ao sol.

Foi ter com o seu pai, o meu avô Américo, e contou-lhe o sucedido. Este disse-lhe para ficar descansado, que iria falar com o homem. Assim foi, e quando o abordou perguntou-lhe se não teria encontrado uma armadilha com uma raposa: foi o meu rapaz que a armou. Prontamente lhe respondeu que sim, e disse-lhe: é um bom moço, ele que venha ter comigo, leva a armadilha e a pele já preparada.

Foi a última estória que o meu pai me contou, e posso dizer que é um bom resumo do que ele era: observador, inteligente [a professora pediu a seu pai para que prosseguisse os estudos, concluída a 4.ª classe], não baixava os braços facilmente, e honesto [atente-se na forma como pai e filho abordaram o problema]. Adjectivos facilmente comprováveis por quem com ele conviveu.

Tinha a sua vaidade e ciume, mas com parcimónia, palavra que aprendeu comigo e que passou a usar, mandão [como diz a minha mãe], não gostava de ser contrariado, e na disputa um leão [também era do Sporting], era a sua alcunha na escola primária dos Martinzes, onde andou e tinha família da parte da sua mãe. Não aceitava que lhe pisassem os calos, por vezes dado a extrapolações imaginativas, era a sua sagacidade, mas sempre bem disposto. Homem de dar a quem precisava ou considerava, cioso dos seus juízos, e de palavra. Um prático da vida: com 17 anos vem trabalhar para Lisboa [Rua do Convento da Encarnação], no emprego que ele próprio arranjou [Manuel da Silva Barreiros & Filhos, Lda.]. Passados 8 meses despede-se e começa a trabalhar por conta própria, até ao fim da vida.

Em desassossego, esqueci de mandar colocar as duas datas...


Nasceu no Pé da Serra, a 1 de março de 1938, em casa de seus pais.
Faleceu em Lisboa, a 4 de setembro de 2020, na sua residência.
De uma a outra, sempre pelo seu pé, percorreu 82 anos.

Adeus Pai... deixei de ter a quem perguntar.


P.S. Osvaldo, fico em falta para contigo, tu que és meu amigo de longa data, padrinho do único neto do Elias, e que estás sempre presente por tua iniciativa, esqueci-me de te dar a notícia. Só agora, ao escrever estas linhas, me dei conta. Paula, tu também.

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