sábado, 16 de novembro de 2019

Novecentos e noventa e nove.

Quantos destes ainda sobrevivem? Com o meu, perfaz um milhar de exemplares, que saíram em dezembro de 1945. Para mim, que não ligo a uma primeira edição, pelo valor material, ditado na escassez económica, é uma grande alegria poder ter em mãos o primeiro de Sebastião da Gama, em primeira edição. Contradição?... Não!

Procuro a materialidade de estar mais perto. No prefácio da Serra-Mãe, cumprindo antiga promessa, agora publicado pela primeira vez na Ática, 2.ª edição de 1957 [a minha é a 6.ª edição, novembro de 1991]; e como gostaria de o ter visto com o Pégaso do Almada na capa: Joana Luísa fez-lhe uma capa protetora para livros, em tecido, com bordado do cavalo alado, AQUI; o seu professor e amigo, Luís Filipe Lindley Cintra, escreve [Outubro-dezembro de 1956. Sebastião faleceu em 1952]:
      Entre 1943 e 1945 fui coleccionando os poemas que Sebastião me ia trazendo ou mandando da Arrábida. Numerosos em certas épocas — o poeta irradiava então felicidade —, rareavam extraordinariamente noutras («estou baço», dizia-me ou escrevia-me então, deprimido). Em fins de 1945, considerou que tinha chegado a ocasião de publicar o seu primeiro livro e começou-me a consultar sobre a selecção a fazer entre os poemas coleccionados. Dedicava-se a essa tarefa com decisão, mas também por vezes com pena; é que, se muitas vezes foi a imperfeição, agora notada, dos poemas que determinou a sua exclusão, outras, foi apenas a necessidade de não alongar demasiadamente o livro. 
      Feita a selecção, preocupou-o longamente a organização do volume — a sua divisão em «livros» (secções ou capítulos) — que desejava de uma perfeita unidade interna quanto à natureza dos poemas, ou melhor, quanto à sua própria atitude no momento de os criar. Os títulos, também cuidadosamente escolhidos, deviam espelhar essa natureza. Tão espontânea, directa, foi a criação dos poemas, quanto foi meditada a sua ordenação definitiva.

Eis o que tenho em mãos: um pedaço contemporâneo do Sebastião.



Ilustrou a capa Lino António, amigo de Sebastião, e desconfio que houve alguma vivência in loco, na Serra da Arrábida, na sua concepção. Em 1945, Sebastião da Gama tinha 21 anos e Lino António 47.

Há, e descobri, na dissertação de mestrado «O contributo de Cruz de Carvalho para a história do design em Portugal», de Diogo João Silva Rocha dos Santos Coelho [AQUI], página 33:
Cruz de Carvalho lembra com humor que, Sebastião da Gama era um rapaz extraordinário e que “era amigo de toda a gente que tivesse algum interesse”.51 Um desses amigos era Lino António, pintor e director da Escola de Artes Decorativas António Arroio. Cruz de Carvalho recorda-se dos muitos passeios pela Arrábida, para pintar com Lino António que lhe ia passando os seus conhecimentos.
A nota de rodapé 51 remete-nos para entrevista nos Anexos da referida dissertação [página 221, e não 222 como está na nota de rodapé]. Vasculhando nas entrevistas, descobri na página 230:
Lembra-se de eu lhe ter dito que o Lino António era director da Escola António Arroio... e eu do meu contacto com o Lino António, que foi também uma pessoa muito simpática, ele e a mulher eram muito simpáticos para mim... ficámos também amigos para o resto da vida. E havia o laço entre nós e o Sebastião. Mas o Lino António convidou-me para pintar com ele na Arrábida, e eu lá fui com o cavalete e papel, um de cada lado, e ele ensinava-me coisas, que eu não sabia, como por exemplo “para se pintar o céu deve ser azul cobalto. Porque o azul cobalto tem a propriedade de ser uma cor que dá um certo afastamento”. E aprendi com ele outras coisas...



A azul cobalto [sRGB (r, g, b) (51, 60, 135)] ficaria assim [manipulação feita por mim no software IrfanView]:




O crescendo das ondas da Serra está aqui, no miradouro da Estação Arqueológica do Creiro. Final do dia, no Portinho, para mim é aqui. O último ocorreu a 14 de setembro deste ano [18h28m58s]:



A amável Erato [há pleonasmo], ensimesmada, estende a mão e contempla o noturno. O rebanho, entregue a si mesmo, não se dá conta do mar, escondido que está pela "Onda do Risco". No seu horizonte apenas o alimento da planície [Vale do Risco]:


Com elas se faz queijo. Damos o coalho.


Quem faz os versos é Êle...
O que se não incomodou
em preguntar se o livro ficou lá
na livraria
sem ninguém o ir comprar

Eu sou sòmente um qualquer
que, se tem dinheiro, compra
os livros que o Outro escreve,
pra lê-los nos intervalos
do bafio dos estudos.
Um que, já farto de ler
sem perceber,
deita o livro pela porta
e diz, estúpido e baço :
«Ai meus ricos dez escudos !...»
...................................................
Mas o Outro não se importa.

Sebastião da Gama

A GENTE OS DOIS, na página 72, digitado por mim, tal qual está impresso no livro que acabei de comprar, na Letra Livre, assim, no regresso ao trabalho.





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Post scriptum

Um certo cavalheiro interpelou-me sobre a localização da livraria. Expliquei-lhe que estava perto. Prosseguiu, mas quase de imediato chamou-me, e perguntou-me: o Sr. é doutor?... bem, pouco interessa agora o que disse. Ofereceu-me o seu LIVRO, onde podemos ler nas BADANAS. Surreal, mas aconteceu, comigo, hoje.

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