os braços sinuosos de um rio que irrigam uma imensa floresta. Invertendo o canal de cor azul da imagem, um pouco mais de contraste e uma ligeira correção gama, fica assim:
Um Amazonas se revela. Descendo à terra, a "ramalhal figura" no meio do jardim. «O português, se é magro, trota», dizia, e dei por mim a pensar que há um certo trotear nas minhas passadas diárias. Bem observado Ramalho.
O porte arbóreo do Ramalho na estátua de Numídico Bessone. |
E voltei à Casa / a casa...
Afinal queria tão somente estar na companhia da Fernanda de Castro, desembrulhada do papel precioso [escasso e simples] que outrora embrulhava o pão. Recordo a Dona Alice da padaria, penso que ainda é viva.
No primeiro volume das suas memórias, página nove, leio o seguinte:
«Não sei se é um bem, se um mal esta corrida para o espaço, mas não posso esquecer os olhos angustiados daquela criança que me perguntou ao ver no cinema um foguetão apontado para o céu:
— Vão matar os anjos?
Sim, confesso: estou de mau humor por causa da Lua.
A Lua sempre foi dos poetas, não esse miserável planeta que os sábios inventaram, mas
A Lua que eu amo,
Nimbada de luar,
Algo de branco, puro,
Inacessível,
Algo para cantar
quando o silêncio, a noite, a solidão
são lágrimas de sangue que o Poeta
se recusa a chorar.
Ainda a propósito da Lua: julgamos conhecer os outros e nem sequer nos conhecemos a nós. Nunca me considerei especialmente romântica, e afinal parece que sou. Aborrece-me que os homens vão à Lua, que transportem para a Lua os seus pequenos problemas, os seus micróbios, os seus miseráveis engenhos. E mais uma vez me vêm à memória aquelas palavras dum cavador de enxada em Castelo Novo, na Beira Baixa, tinha eu quinze ou dezasseis anos:
— A menina sabe porque é que o Sol é tão bonito?
Logo a seguir, sem me dar tempo a responder:
— É porque os homens não lhe tocam!
Tenho estado a pensar que a solução seria, talvez, escolher, adoptar, promover outro planeta, ou, já agora, uma estrela. Mas não, nenhum astro me parece já suficientemente distante, definitivamente inacessível. O melhor será inventar um planeta para uso exclusivo dos poetas, como um nome branco, suave, com ressonâncias de harpa eólica:
Luália
da lívida brancura da magnólia,
do pálido esplendor
da camélia, da azálea.
Ou então:
Luélia
clara, distante,
a palidez de Ofélia.»
A leitura continua. O segundo volume trouxe-mo a minha irmã da Livraria Esperança, na ilha da Madeira, não tinham o primeiro volume, mas por mãos amigas acabou por vir parar às minhas mãos. Mãos irmanadas. Na capa a Fernanda de Castro aparece retratada por Tarsila do Amaral [óleo sobre tela de 1922]. Se a semente alada da tipuana, qual marcador de livro, me levou ao Jardim de Santos para iniciar a leitura do volume, não consumada por estar fechado o jardim, foi na mó feita mesa na Casa Roque Gameiro que comecei a saborear o livro. Falta [re]embrulhar o livro com o papel da padaria, porque o livro também é pão. Tentei, mas não consegui, sem ter de cortar a folha, o que obviamente me recusei.
Nas nossas tipuanas
No tapete amarelo-dourado ou na semente alada
Encontra-se o que não se procura...
Que permeia e nos eleva
Que salva e dá sentido
A beleza espalhada pelo mundo.
No primeiro volume das suas memórias, página nove, leio o seguinte:
«Não sei se é um bem, se um mal esta corrida para o espaço, mas não posso esquecer os olhos angustiados daquela criança que me perguntou ao ver no cinema um foguetão apontado para o céu:
— Vão matar os anjos?
Sim, confesso: estou de mau humor por causa da Lua.
A Lua sempre foi dos poetas, não esse miserável planeta que os sábios inventaram, mas
A Lua que eu amo,
Nimbada de luar,
Algo de branco, puro,
Inacessível,
Algo para cantar
quando o silêncio, a noite, a solidão
são lágrimas de sangue que o Poeta
se recusa a chorar.
Ainda a propósito da Lua: julgamos conhecer os outros e nem sequer nos conhecemos a nós. Nunca me considerei especialmente romântica, e afinal parece que sou. Aborrece-me que os homens vão à Lua, que transportem para a Lua os seus pequenos problemas, os seus micróbios, os seus miseráveis engenhos. E mais uma vez me vêm à memória aquelas palavras dum cavador de enxada em Castelo Novo, na Beira Baixa, tinha eu quinze ou dezasseis anos:
— A menina sabe porque é que o Sol é tão bonito?
Logo a seguir, sem me dar tempo a responder:
— É porque os homens não lhe tocam!
Tenho estado a pensar que a solução seria, talvez, escolher, adoptar, promover outro planeta, ou, já agora, uma estrela. Mas não, nenhum astro me parece já suficientemente distante, definitivamente inacessível. O melhor será inventar um planeta para uso exclusivo dos poetas, como um nome branco, suave, com ressonâncias de harpa eólica:
Luália
da lívida brancura da magnólia,
do pálido esplendor
da camélia, da azálea.
Ou então:
Luélia
clara, distante,
a palidez de Ofélia.»
A leitura continua. O segundo volume trouxe-mo a minha irmã da Livraria Esperança, na ilha da Madeira, não tinham o primeiro volume, mas por mãos amigas acabou por vir parar às minhas mãos. Mãos irmanadas. Na capa a Fernanda de Castro aparece retratada por Tarsila do Amaral [óleo sobre tela de 1922]. Se a semente alada da tipuana, qual marcador de livro, me levou ao Jardim de Santos para iniciar a leitura do volume, não consumada por estar fechado o jardim, foi na mó feita mesa na Casa Roque Gameiro que comecei a saborear o livro. Falta [re]embrulhar o livro com o papel da padaria, porque o livro também é pão. Tentei, mas não consegui, sem ter de cortar a folha, o que obviamente me recusei.
2015/06/20 / 11:40:04 AQUI. |
Nas nossas tipuanas
No tapete amarelo-dourado ou na semente alada
Encontra-se o que não se procura...
Que permeia e nos eleva
Que salva e dá sentido
A beleza espalhada pelo mundo.
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