domingo, 23 de abril de 2017

NADA[S]_MEU[S]_0001_EXTRAVAGÂNCIAS.

Extravagâncias em virtude do momento atual, ou a pouca importância que dou a primeiras edições, edições de tiragem reduzida ou de autor, como reserva de valor, monetariamente falando [mas têm, e já não estou em tempo de ingenuidades].

O que as letras fixam é o mais importante: o que passou pela mente de alguém, com talento. E o que passa pela mente também se vivencia mais ou menos no corpo, e chama/clama por outra vida [leitura].

Ordenados pela lembrança, desde o primeiro dia (23), e que vou acrescentando.
Literalmente: "ordem de ocorrência".

1.
Uma primeira edição, em papel de arroz, ilustrada com gravuras a cor, capa a cores e prata, de um animadvertido, acidental[?] e ocidental, em relação ao seu espaço e cultura de origem, «preocupado apenas com os aspectos humanos e com a poesia íntima das coisas. É isso que dá ainda hoje vida e frescor à sua obra.» (Armando Martins Janeira, no final do prefácio à edição do ICM de 1987).

«[...] o livro era tão bom que nenhum livreiro o quis comprar, resolvendo os meus amigos por fim vendê-lo por minha conta, distribuindo-o por algumas livrarias. [...]» (Venceslau de Morais, carta de 3 de fevereiro, 1906) AQUI.


Imagem trabalhada (deficiente uso do GIMP) apartir DESTA.

«[...] Chegou-me aos ouvidos que se vendeu, em Lisboa, um exemplar do "Culto do Chá" por perto de um conto de reis. E mais subirá o preço, por que os exemplares vão naturalmente escasseando. Por outro lado sei que, com meu consentimento, um editor de Lisboa [Casa Ventura Abrantes?] tem buscado fazer uma 2.ª edição do livreco, impresso no Japão; mas pedem-me preços tão elevados que julgo nunca se chegará a fazer a impressão. "O culto do chá" passou a ser um livro fossil!...» (in «Efemérides dum epistolário» de Venceslau de Morais, 27 de maio de 1925, tinha o autor 71 anos, e 20 anos passado desde a 1.ª edição. A 2.ª edição é de 1933, 4 anos após a sua morte.)

2.
Sem capa [pormenor importante?... sim, para quem gosta de enjeitados] e com dedicatória do autor [pormenor importante?... sim, para quem gosta de meta-física]. Ilustrado.


Imagem retirada DAQUI.
«[...] O café é um mostruário social privilegiado, tingido de uma tristeza que a sua condição de «subúrbio» sublinha. O café que põe em cena uma personagem, o Velho, que representa, claro, um alter ego do poeta. (…). Nele desfilam pedintes, amantes e alguns personagens típicos mas excêntricos que Couto Viana nos dá na perfeição, como aquela mistura de filósofos, mendigos e imbecis que fazem dos cafés - e de alguns centros comerciais - a sua casa. [...]» AQUI.

3.
Aparentemente de conciliação duvidosa, e incautos [que a curiosidade incita] que a "praticam" [a frugalidade na escrita, objetiva e poética], com desvelo e ignorância [preciso de...]. Como eu [por aqui passa a vaidade].


Imagem retirada DAQUI.

4.
Não é o que tenho, mas o que gostaria de ter (alfanumérico a vermelho).




Porque um dia li-descobri (fica giro na forma de palavra lidescobri):

«Tinha-o Onésimo Teotónio de Almeida, era o seu Quixote : «um português magnífico», dizia-me. «Que bela tradução!». Mas lá estava, em sua casa, do outro lado do Atlântico! Mandou-me a ficha completa: sim, senhor, edição da Portugália, colecção «Biblioteca dos Rapazes», n.º 16. E o espanto adensava-se e ganhava novos contornos. Eu própria tinha conseguido, anos atrás, não sei já onde, o Dom Quixote da «Biblioteca dos Rapazes» (pobres raparigas, privadas do cavaleiro…), também n.º XVI (em numeração romana, eis a diferença) mas aqui «a tradução e adaptação» era, reconfirmei-o, de Maria Ponce e não de Pedro da Silveira. Que era isto de existirem duas traduções de autores diferentes, na mesma editora, mesma colecção, mesmo número?!» AQUI.

«De Pedro da Silveira dizia Natália Correia que tinha uma língua viperina. Era marca de todos sabida e por não poucos receada. Um dia Lúcia Lepecki, numa roda literária, vendo que ao sair alguém da mesa ele desatava em corte interminável da sua casaca, interrompeu-o: «Puxa, Pedro! Não se pode ‘tar longe de você!». Mas mais aguda ainda era a sua memória, inesgotável fonte de notas de rodapé biobibliográficas. Abria os seus ficheiros sem reservas. Bastava pedirem-lhe. Desbobinava de imediato. Na Biblioteca Nacional era uma biblioteca à parte. E nas cartas revelava cortesia e lhaneza admiráveis, mesmo surpreendentes para quem testemunhava a sua presença muitas vezes pouco simpática pela fala compulsiva e impertinente.» AQUI.

SONETO DE IDENTIDADE

Chamo-me Pedro, sou Silveira e sou
também Mendonça: um tanto duro, como
Pedro é pedra; picante agudo assomo
de silva dos silvedos — não me dou!

Raiz flamenga, já se sabe; e um gomo,
no fruto, castelhano. E assim bem pou-
co, pois, que doce me passara à ou-
tra pátria (ou língua?) que me coube e tomo.

Ainda Henriques (alemão? polaco?)
e outros cognomes mais: espelho opaco
de errâncias várias, que mal sei (Desfaço,

talvez por isso, no que faço.) Ilhéu
da casca até ao cerne — e lá vou eu,
sem ambição maior que o livre Espaço.

PEDRO DA SILVEIRA
Poemas Ausentes
Edição O Mirante
Santarém, 1999


ACABADO, MAS NÃO TANTO

Ao Alberto Ferreira

Agora restam-me só dois dentes
e a vista já não é o que antes era; 
às vezes sofro de azias e náuseas 
e vêm dias, como hoje, em que nem reparo 
nas mulheres em flor que passam a meu lado.

É Fevereiro ainda, mas o tempo 
é como se já fosse a Primavera: 
um dia de sol, com flores coroando árvores 
no jardim à beira de que estou parado 
esperando um autocarro que não chega mais.

Olho as árvores enflorando, a relva verde-tenro, 
e também uma nuvem que o sol da tarde 
faz mais clara no azul claro do céu.
Vejo isto, e vendo-o esqueço 
os dois dentes que só tenho, um deles cariado, 
a vista baça e tudo o mais que diz 
que o meu corpo envelheceu—
como ainda há poucos dias me lembrou o gesto 
da rapariga que quis dar-me 
o seu lugar no eléctrico à cunha, 
de manhã à hora de a caminho do emprego.

Sim; o dia parece mesmo de primavera 
e com isso apetece estar vivo, embora 
sabendo que os anos andaram sobre o corpo que temos 
e não renovamos, com rebentos e flores, 
como as árvores que vou vendo enquanto não chega
—vem aí, finalmente!—
o autocarro que há bocado espero.

Abalado, esqueço de todo os dentes que já mal tenho 
e a minha memória, nova agora como a tarde clara, 
não tem fundo para além do dia de hoje 
e das flores do jardim de há pouco.

Sim; mas há as coisas que às vezes me lembram 
(e nem sempre sem que doa ou amargue) 
que já não tenho a idade em que me diziam
—Pedro, vê-la o que fazes, toma juízo!

(Olhem, por lembrar:—esta manhã gostei de ver 
como o meu canário começava o seu dia cobrindo 
a canária que anteontem lhe pus na gaiola e agora 
é a razão por que não me acorda como dantes, cantando.) AQUI

PEDRO DA SILVEIRA

5.
O próximo...

De estar presente e querer... muito.

1 comentário:

  1. Há muito nao faço comentário de tuas postagens, mas não poderia deixar de fazê-lo nesta.
    Alem de considerações de obras literárias de importancia não duvidosa, deparei-me co o soneto da identidade de Pedro da Silveira.
    Além de sre um poemeto(não desprestigiando pelo diminutivo) de expressivo conteúdo, exalando as verdades de sua personalidade, contém caracteristicas, nunca por mim visto dantes.
    Versos ricos num belo encadeamento, observei rimas com palavras quebradas por silabas de dificil rimas.
    Confesso que numca havia observado. Magistral.
    OUTRA COISA, QUERIDO CARLOS, É A RIQUEZA DE CONHECIMENTO QUE DEMONSTRAS.
    PODIAS PENSAR EM ESCREVER. FALTA DE TALENTO E DESCONHECIMENTO DA LINGUA PÁTRIA NÃO É,
    Que falta então? Corage e tempo? podes argumentar que não tens tempo, mas coragem tens de sobra. Então arranja tempo e mãos a obra.

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