domingo, 15 de janeiro de 2017

Vender peixe.

Por vezes uma imagem momentânea puxa outras que se encontram no arquivo da memória. Foi o que me aconteceu no passado domingo (8 de janeiro), enquanto assistia ao programa «O Mundo Maravilhoso de Albert Kahn» na RTP2.

A imagem de duas mulheres que vendem peixe em Galway, na Irlanda, autocromo tirado por Marguerite Mespoulet a 26 de maio de 1913, rapidamente me transportou para uma outra imagem.


Foto retirada DAQUI.


Esta, que vi e fotografei na exposição "Uma História de Duas Cidades - Lisboa e Edimburgo". Aqui o que me chamou a atenção foi o enorme cesto e o que está escrito na legenda: a "manutenção da família depende da indústria da esposa".





E daqui rapidamente pensei n'«As Mulheres do Meu País» de Maria Lamas e nas varinas saíndo para a venda, fotografadas pelo Joshua Benoliel em 1909 na Ribeira Nova, em Lisboa.


Foto retirada DAQUI.

Mas Stuart Carvalhais, casado com uma varina, fato de que só tive consciência no passado dia 3 de dezembro, na Casa Roque Gameiro (saborosas e improváveis colateralidades, mas que acontecem, como a de ontem, ao descobrir Paul Celan, ou a palavra appartema[e]nts com erro ortográfico, também no mesmo local) captou-lhes a essência no traço, da mesma forma que, num outro olhar, mais próximo do que Mário Eloy pintou,  Cesário escreveu n' «O Sentimento dum Ocidental»:

E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

    Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;

As varinas do Stuart são elegantes e irreverentes, próximas da descrição que acompanha a fotorreportagem de Benoliel sobre as mesmas na Illustração Portugueza de 19 de agosto de 1912, n.º 339, AQUI:
Teem um ar elegante, o seio bem formado, lembram por vezes estatuas quando, de braços ao ar, erguem a canastra, olhando para os andares, e quando se vê passar as que são assim esculturaes e belas, pensa-se que andam pagando algum pecado feito por uma das suas formosas avós, que fôsse condenada a ter uma descendencia de belezas rudemente destinadas a andarem ajoujadas debaixo da giga, correndo as cidades, cantando pregões.



- Oh! Die Varine!


A VARINA E O POLÍCIA DA COBRANÇA

- Ó vira-me as costas!

- Que lindo exemplar de raça fenícia!

- Fenícia era a sua avó!

- Venha abaixo!


Descia a Rua Morais Soares, perto do Mercado de Arroios, quando de repente uma varina, bonita,  choca contra si, espalhando o peixe no chão e aplicando-lhe de seguida uma bofetada, prontamente retribuída com outra, por parte de quem tinha recebido a primeira. Troca exaltada de palavras, os transeuntes que se aproximam e tomam partido: o "menino" não teve culpa. O polícia que passa e a intima: vamos para a esquadra, já estou farto de a avisar para não fazer o mesmo.

Era assim, tentando de uma só vez vender o peixe que restava, ou que não conseguira vender, simulando o acidente/atrevimento provocado pela incauta vítima, e que obviamente iria pagar a "fatura", atordoado com a respetiva bofetada. Dessa vez não "colou".

O "menino" desta estória é o meu pai, tinha 21 anos quando isto aconteceu em 1959.

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P.S. As ilustrações do Stuart que aparecem nesta página foram escolhidas, digitalizadas, e tratadas por mim no computador, do livro «STUART - ORGANIZAÇÃO, SELECÇÃO E ARRANJO GRÁFICO DE NELSON DE BARROS; PREFÁCIO DE LEITÃO DE BARROS». Ficha bibliográfica AQUI.

Irmã e primos, ao lerem esta mensagem recordem-se que o negócio de vender peixe também passou pela família, o nosso bisavô Joaquim da Silva. Também o meu avô Joaquim Lameiras vendeu peixe.

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