domingo, 3 de abril de 2016

Veste-me de poesia...

É assim que vejo o POESIA-ME, escarrapachado e garatujado na base de uma coluna que suporta o Aqueduto da Gargantada, em Queluz.


AQUI, no Google Maps.

Mas também podia ser o despir-me para a poesia, como se fosse banhar-me nela, fundir-me, pele, carne e osso em poesia, ou fazer um poema apartir de, ou para: inspiração que desperta na emoção e no sentimento, vida e morte, belo e feio, prazer e dor, e tanto pode ser pessoa ou natureza. Ando às voltas e sinto (é como um vibrar).

Tinha intenção de escrever esta mensagem antes do fim de março (a 21 foi celebrado o Dia Mundial da Poesia), não começaria assim, e teria um seguimento. Das casas de Ruy Belo passaria para as janelas de António Gedeão. Mas assim não aconteceu, tive de pular uma semana, e entretanto apareceu-me o POESIA-ME e uma dor nas costas.

Resolvidas (quase) as dores, vou digitar para vós, e para mim, o poema Aurora boreal do António, apartir do («meu») livro Teatro do Mundo. Este livro é muito meu, está nele Calçada de Carriche, a minha vida parece que anda ao ritmo deste poema, e o livro em si tem uma estória que talvez um dia vos conte.

Encontrei esta semana a «Feira do Mundo», a minha é de papel, de 1967, esta digital, espreitem as páginas 38 a 48. As semanas passam e vão acrescentando, quase perco o fio à meada, mas por vezes algo se encaixa, é o caso: Teatro do Mundo e Feira do Mundo. Coincidências. O mundo é um teatro e uma feira. Representar, comprar e vender. É o que acrescento de uma semana para a outra, e que abre mais um ramo. Divergir. Retomando o leito maior, o que se segue não é «copy e paste».

Aurora boreal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham oblìquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Ó janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

No poema abrem-se 13 janelas, mas começa por referir que são 40. E as outras?... Serão anos ou um ciclo que começa/termina? E o título Aurora boreal...


Imagem retirada do artigo da Wikipédia sobre Aurora, AQUI.
Imagem retirada do artigo da Wikipédia sobre Aurora Borealis (painting)AQUI.

Onde estão as janelas?... mais parecem cortinas de janelas, ou véus rodopiantes em corpos que não estão lá, e que se imaginam desnudos... o apelo e a sedução do mistério que se assume inexplicável. Fico desconexo. O corpo do poema é palpável, o final inexplicável.

Deixo-vos assim...




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P.S. O que está para vir...

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