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Mas também podia ser o despir-me para a poesia, como se fosse banhar-me nela, fundir-me, pele, carne e osso em poesia, ou fazer um poema apartir de, ou para: inspiração que desperta na emoção e no sentimento, vida e morte, belo e feio, prazer e dor, e tanto pode ser pessoa ou natureza. Ando às voltas e sinto (é como um vibrar).
Tinha intenção de escrever esta mensagem antes do fim de março (a 21 foi celebrado o Dia Mundial da Poesia), não começaria assim, e teria um seguimento. Das casas de Ruy Belo passaria para as janelas de António Gedeão. Mas assim não aconteceu, tive de pular uma semana, e entretanto apareceu-me o POESIA-ME e uma dor nas costas.
Resolvidas (quase) as dores, vou digitar para vós, e para mim, o poema Aurora boreal do António, apartir do («meu») livro Teatro do Mundo. Este livro é muito meu, está nele Calçada de Carriche, a minha vida parece que anda ao ritmo deste poema, e o livro em si tem uma estória que talvez um dia vos conte.
Encontrei esta semana a «Feira do Mundo», a minha é de papel, de 1967, esta digital, espreitem as páginas 38 a 48. As semanas passam e vão acrescentando, quase perco o fio à meada, mas por vezes algo se encaixa, é o caso: Teatro do Mundo e Feira do Mundo. Coincidências. O mundo é um teatro e uma feira. Representar, comprar e vender. É o que acrescento de uma semana para a outra, e que abre mais um ramo. Divergir. Retomando o leito maior, o que se segue não é «copy e paste».
Aurora boreal
Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham oblìquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
Ó janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
No poema abrem-se 13 janelas, mas começa por referir que são 40. E as outras?... Serão anos ou um ciclo que começa/termina? E o título Aurora boreal...
Imagem retirada do artigo da Wikipédia sobre Aurora, AQUI. |
Imagem retirada do artigo da Wikipédia sobre Aurora Borealis (painting), AQUI. |
Onde estão as janelas?... mais parecem cortinas de janelas, ou véus rodopiantes em corpos que não estão lá, e que se imaginam desnudos... o apelo e a sedução do mistério que se assume inexplicável. Fico desconexo. O corpo do poema é palpável, o final inexplicável.
Deixo-vos assim...
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P.S. O que está para vir...
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