Vou tentar reconstruir um labirinto. O semanal e seminal convivio comigo mesmo tem sido vertido aqui, no entanto desde agosto que esta cadência se alterou, por força de imprevistos e canseiras, mas na cabeça tudo vai fervilhando e alinhavando, à medida que os meus interesses, principalmente leitura, paisagens e pessoas, tudo mais ou menos junto, em simultâneo ou desfasado, mas que vão passando. E assim de uma ponta, não atada, outras pontas apareceram, novamente não atadas (presas na escrita), e o resultado é por onde pegar?
Esta manta de retalhos começa com o artigo 'Condição humana', de João Pereira Coutinho, na revista Domingo (jornal Correio da Manhã de 30 de agosto de 2015). (AQUI)
... Mas tirando um texto longo (e excelente) de Joana Emídio Marques, (AQUI)
... o que existe é uma “serenidade terminal” (bela expressão), só possível quando a doença apagou até os instrumentos emocionais mais básicos, como o reconhecimento dos objectos banais e a simples empatia humana.
... dois anos depois, é escrita esta viagem ao mundo da “desmemoria”. 'De Profundis, Valsa Lenta' pode ser, como escreve João Lobo Antunes em excelente prefácio, um contributo raro e inestimável para as ciências neurológicas. Mas para nós, leitores comuns, o testemunho de Cardoso Pires é uma aula de escrita - e uma meditação “lenta”, como a ‘Valsa’ do título, sobre a fragilidade humana. Ler ou reler Cardoso Pires é brindar a essa fragilidade com um sorriso - e um “fio de música”.
Entretanto, e porque tinha passado pelo Portinho da Arrábida, dou comigo a ler, puro acaso, 'No sexto aniversário da minha morte' de João Bénard da Costa.
O último parágrafo do link anterior é delicioso, desde o «fora da agenda», aprecio e cultivo, e «Nunca os consigo ler em papel (no ecrã). Imprimo o texto (na versão on-line) e leio depois», também me acontece o mesmo, como ao Pedro Mexia. (gralha a rosa, a minha correção a verde).
Entretanto descubro que Oliver Sacks morreu. Fui sempre adiando a compra e a leitura dos seus livros, não sei porquê... o impulso de ir, mas o passo em frente que não foi dado, e que agora se concretiza, depois da leitura do artigo 'Oliver Sacks, autor de Despertares, adormeceu para sempre'. Acabei de encomendar a sua autobiografia.
... vida multifacetada do médico que pôs a pessoa no centro da narrativa médica e explicou ao mundo as doenças mais paradoxais do cérebro humano.
... cruzamento único que Sacks inventou entre a neurologia e a arte de contar, motivado pelo seu amor pelos seus doentes.
“Sacks contribuiu para humanizar uma série de estranhas perturbações neurológicas – e, em certa medida, tornou naturais bizarros sintomas tais com os tiques e os tremores dos doentes”, disse ao PÚBLICO por email o conhecido neurocientista português António Damásio. “Fez os leitores perceber que, por detrás da estranheza dessas manifestações, há também uma pessoa que pensa e que sente. Essa foi um feito notável, conseguido por Sacks ao longo de décadas de escrita incessante.”
Sacks escrevia com uma humanidade e uma empatia sem iguais (já para não falar da sua mestria literária e científica) sobre as patologias neurológicas mais bizarras. E tinha sempre coisas profundas e emocionantes a dizer sobre a luta dos doentes com as suas trágicas doenças, descrevendo como ninguém os mistérios do mais misterioso dos órgãos que é o cérebro humano.
... “[Sacks] nunca faz o leitor sentir-se um voyeur; a sua abordagem é subtil, e o que emerge de todo o seu trabalho é o seu respeito pelos seus sujeitos. Parece amar os seres humanos (…). Não ama a humanidade em abstracto, mas admira e aprende com cada indivíduo, não importa o quão devastado [pela doença]”.
... Histórias fascinantes e ao mesmo tempo angustiantes, uma vez que mostram a fragilidade do mundo perceptual construído pelo nosso cérebro – do nosso único elo com o mundo que nos rodeia.
... “Todos os médicos aspiram a ser um pouco como Sacks (…) pela sua óbvia humanidade e pela sua escrita sublime, que vai ao âmago do que significa ser humano e frágil”,
... A seguir, com a sua habitual sensibilidade, acrescentava: “[Sinto-me] intensamente vivo [e espero que, no tempo que meresta], aprofundar as minhas amizades, dizer adeus às pessoas que amo, escrever mais, viajar se tiver forças para isso, atingir maiores níveis de compreensão e de perspicácia.”
E mais à frente, como que se desculpava: “Ainda me importo profundamente com o Médio Oriente, com o aquecimento global, com as desigualdades crescentes, mas essas coisas já não me dizem respeito; pertencem ao futuro.” Confessava ainda: “[Não posso] fingir que não tenho medo”, mas acrescentava logo: “O meu sentimento predominante é de gratidão.” E concluía: “Acima de tudo, fui um ser que sente, um animal que pensa, neste maravilhoso planeta, e isso foi só por si um enorme privilégio e uma enorme aventura.”
Ontem, ao final da manhã na Praia das Maçãs, li 'The Joy of Old Age. (No Kidding.)', 'My Own Life' e 'Mishearings'. Há mais para ler AQUI.
E de tantos entretantos, o entretanto de ontem para finalizar, descoberto no prefácio escrito pelo neurocirurgião João Lobo Antunes para o livro 'Ser Mortal':
Seja-me permitida mais uma nota pessoal, mas a leitura é assim, pois um livro bom está aberto a que lhe acrescentemos outros parágrafos! Meu pai morreu há 10 anos, e enquanto minha mãe foi viva, a biblioteca que construíra e que vigiava com zelo feroz, manteve-se quase intacta. Minha mãe morreu há pouco. Agora, filhos e netos (muitos) foram esvaziando as prateleiras, conforme as suas preferências intelectuais ou os seus interesses académicos. Porque descobrira um livro que, pensei, seria muito do gosto da minha filha mais velha, telefonei-lhe a dar-lhe conta disso. Passados minutos mandou-me o seguinte SMS: «É bom fazer parte de uma família em que os livros são tão preciosos como as jóias.»
Este livro sobre o qual escrevi estas palavras ficará na minha Biblioteca, esperando que um dia alguém o leve... como jóia.
Dou por terminada a manta de retalhos, e descubro que andei ás voltas sobre o fim.
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P.S.
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