quarta-feira, 31 de julho de 2019

Se não agora, quando?

Escapava o dia senão fosse o Francisco José Viegas a assinalar o centenário do seu nascimento: 31 de julho de 1919 [e tinha-me ontem despedido do dia a ouvir Morning Has Broken, a pensar na alegria de um novo começo. A tal folha branca...].

Jillian Edelstein é a autora da foto, e conta AQUI como aconteceu.
Não lhe pedi autorização para a colocar nesta mensagem.
Podem encontrar mais retratos seus AQUI.

A foto tem estado na minha área de trabalho do computador nos últimos meses [agrada-me muito esteticamente]. Não sei qual a razão que me levou a encontra-la, mas o que nunca mais esqueci foi o primeiro livro que li do retratado, no início deste século [a primeira edição, italiana, é de 1947],  e do qual nunca mais me separei: passou para a minha derme.

Entretanto já reli, consultas avulsas sem conta, e aventurei-me no seu surpreendente O Sistema Periódico, e hoje, para comemorar o seu centenário, propus-me começar a ler Se Não Agora, Quando? [influenciado pelo FJV], mas não havia na livraria, e acabei por encomendar na rede um livro editado em 1986, o penúltimo ano da sua vida, e o meu primeiro ano na Católica.

Por causa do primeiro livro tenho vontade de peregrinar, para sofrer hipocritamente em Auschwitz: posso chorar, dilacerar-me por dentro, querer até irmanar-me na sua aflição, e gritar, até que me doa a cabeça... mas os que por lá passaram sentiram medo, muito medo, desespero, muito desespero, fome, muita fome, e morreram, morreram quase todos, abandonados de toda a esperança. Muito poucos, talvez por acaso, sobreviveram e conseguiram transmutar e materializar em palavras: está aqui o que nos fizeram... a redenção.

[...] não estavam longe de algumas verdades importantes. Neste lugar, lavar-se todos os dias na água turva do lavatório fedorento é praticamente inútil para fins de limpeza e de saúde; mas é muito importante como sintoma de um resto de vitalidade, e necessário como instrumento de sobrevivência moral.

[...] Temos, portanto, sem dúvida de lavar a cara sem sabão, na água suja, e limparmo-nos ao casaco. Temos de engraxar os sapatos, não porque a tal obriga o regulamento, mas por dignidade e por propriedade. Temos de caminhar direitos, sem arrastar as socas, certamente não em homenagem à disciplina prussiana, mas para nos mantermos vivos, para não começarmos a morrer.

Primo Michele Levi [in Se Isto é um Homem, 2001, páginas 39-40]



P.S. Se não agora, quando?... [o que ando a tentar responder]

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