domingo, 27 de março de 2022

Da música para a pintura, pela mão do arquiteto, o compasso revisionista, a proteção material.

 Numa conta de Twitter descubro a casa do fotógrafo e investigador de arquitectura Lev Shevchenko: as janelas estão também protegidas por livros. Por ironia, descubro que é admirador de Alexander Glazunov, um compositor russo pós-romântico (foi professor de Shostakovich) que deixou a URSS em 1928 - porque é sobre ele o único livro cuja lombada está voltada para a rua. [Francisco José Viegas, AQUI]

Queria ver a janela...

e encontrar o livro:


Alexander Glazunov


mas a lombada não acomoda o nome Alexander: abreviado?

Pelas dimensões será um catálogo, mas estamos a falar de um compositor: talvez uma caixa com discos de vinil, partituras? Não bate certo. Lembrei-me de que o dono da janela, Lev Shevchenko, é arquiteto.

Googlando glazunov + architect + wiki encontrei: Ilya Glazunov, estava descoberto [porventura este catálogo, mas em inglês].


Two Princes, 2003. A piece of the cycle "The Kulikovo Field". Oil on canvas. 198x397 [AQUI]

Tivemos em Portugal uma exposição sobre a sua obra:

O artista russo Ilya Glazunov (1930-2017) inaugurou na Galeria de Exposições Temporárias da Fundação Calouste Gulbenkian um conjunto significativo de 189 pinturas, desenhos e ilustrações. Foi em 1984, de 27 de novembro a 16 de dezembro. Pormenores da exposição AQUI.

À data da exposição, o artista encontrava-se a pintar os retratos de Azeredo Perdigão e Maria Madalena Perdigão [AQUI].

Procurei os retratos e continuo sem os encontrar. Talvez nas reservas do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian.

Faleceu em 2017, o pintor extasiado pelo passado da Rússia [AQUI], o artista 'mais popular' da Rússia, um nacionalista pseudo-dissidente de extrema-direita [AQUI], certamente pintor de mitos, o nada que é tudo, mas que vale apreciar.

Voltando ao dono da janela, Lev Shevchenko, esteve envolvido numa polémica que revolve a sociedade ucraniana: o que fazer ao legado arquitetónico da era soviética [AQUI].

Finalmente, a barricada de livros, certamente oferece alguma proteção, a maioria calhamaços empilhados com as seixas perpendiculares [cabeça e pé] à lombada para fora, provavelmente procurando maximizar a espessura de proteção oferecida e a estabilidade: coifas com seixas, lombadas ocultas, o que se vê por fora é igual ao que se vê por dentro: a cor do papel. Mas também há lombadas para dentro [coifas paralelas, a frente à janela], e muito raras para fora, a do Glazunov destaca-se pela dimensão: distração na sua colocação?

segunda-feira, 21 de março de 2022

Gnómon.

Entrou-me pelos olhos, projeta-se [há duplo sentido] no pensamento, a imagem que se segue:


Ao sair de casa, 07h34 do dia 21 de março de 2022, no enfiamento da porta de saída do prédio, um pouca para a direita, para se dar por ela e não se pisar.


Acompanha-a por perto uma folha meteorizada, quase em estado de lama; aqui o tempo tem outra perspetiva. Na primeira é o gnómon que se afirma, espera pelo sol, é o início. No achatamento temos o rasto do fim.

Falhei na profundidade de campo: se estava a pensar no fim era o início, de altivo gnómon, que deveria estar fora de foco, mas o propósito foi maquinado depois; ausente de casa, já não pude recoletar e corrigir.

O que será de ti ao final do dia?



P.S. Agustina disse que "na poesia não há pensamento, há palavras. É a arte da sensualidade e da colocação das palavras". Foi o que tentei fazer, no acaso da circunstância, com o estafado tempo. É o meu contributo para o Dia da Poesia e das Florestas.

domingo, 13 de março de 2022

Pia batismal.

Parca água da madrugada,
que em mim se abrigou.


Não parece mas sou a mesma,
pisada e revirada,

da água nada ficou.