domingo, 26 de março de 2017

Almourol?... Almourol!... Almourol.

A ilustração da capa levou-me a uma associação na memória... parecia o Castelo de Almourol. Raquel Roque Gameiro foi a sua autora. 


Oliva Guerra, autora do "Roteiro Lírico de Sintra", e do poema engastado num penedo na Feteira da Condessa... os primeiros encontros. Este livro, que agora possuo, teve uma estória atribulada, em virtude da minha indecisão. Presenciou o meu encontro fortuito com o Professor Marcelo Rebelo de Sousa na Feira do Livro de Lisboa 2015: cumprimento breve e cordial; andávamos aos livros, mas não o comprei. Isso só aconteceu a 1 de março de 2017. É poesia, mas não faz o meu gosto. O castelo que vislumbro na silhueta da capa pode não ser Almourol, mas para mim existe um misterioso e sereno Almourol.


Mais tarde encontrei este postal, do qual existem outras emissões, provavelmente este será dos anos 30, mas é apenas uma suposição minha, não por se adequar à data do livro, mas porque adquiri outro postal como sendo dos anos 40, pelo grafismo e aspeto aparenta ser mais novo, mas a fotografia é a mesma. Encontrar um datado (carimbo dos Correios ou data manuscrita) irá ajudar em relação ao referencial 1933.


É possível que a Raquel tenha visto o postal, e se tenha inspirado nele para o desenho da capa do livro, mas não é certo. A associação é minha, e o tempo encerra o mistério. Comparando...


Enrique Casanova, do qual foi aluno Alfredo Roque Gameiro (pai da Raquel), pintou assim em 1883 o Castelo de Almourol. Cromolitografia retirada de uma "edição desmembrada" do «Portugal Pittoresco» de Pinheiro Chagas, que não fui a tempo de comprar, mas que me foi permitido fotografar. Mostra as ruínas antes das obras de restauro efetuadas em 1887/1888.




Cottinelli Telmo, concunhado de Raquel, desenhou o Castelo de Almourol neste selo de 1945. A gravura é de Karl Bicker, que não sei se tem alguma ligação ao João Manuel Bicker, do qual tenho um pequeno livro que gosto muito: A Forma das Letras. Mais sobre o João AQUI, e a sua tese de doutoramento AQUI.

Imagem retirada AQUI.

Durante anos o que via do Castelo de Almourol era mais ou menos a imagem que se segue, quando passávamos na estrada ao longo da margem sul do Tejo, a caminho da Terra (aldeia do Pé da Serra, freguesia de Amêndoa, concelho de Mação, distrito de Santarém, antiga província da Beira Baixa).



Quando passávamos na estrada ao longo da margem norte, em Tancos, apenas lia a placa "Castelo de Almourol". O caderno Âmbar dos anos 70 acrescentava o desenho, sempre estava mais próximo, o resto era imaginação (faltava a ilha no Tejo), uma vontade enorme de entrar no castelo, lindo... Será desta vez que o pai vai parar... nem me atrevia a pedir. O vaivém Lisboa-Terra, Terra-Lisboa, o caminho era a perda de tempo. O tempo era da apanha da azeitona, da matança do porco, das batatas (semear e apanhar), da malha do trigo, da limpeza das courelas, da Páscoa, dos Santos, do Natal, dos avós que envelheciam, cada vez mais dependentes. Por fim [quase] tudo acabou... e mudou.

O livro "Os Mais Belos Castelos de Portugal" do arquiteto Júlio Gil, com fotografias de Augusto Cabrita, edição Verbo de abril de 1986 (a primeira), deu-me a oportunidade de "entrar" no castelo, só realmente concretizada anos mais tarde (provavelmente no início deste século). Os livros sempre me permitiram ir mais além, mas...

Mais uma achega AQUI.


terça-feira, 21 de março de 2017

Folhas.

De árvores e de poesia, o sentido obrigatório giratório das estações... das vidas. É possível poesia sem sentidos? As árvores emanam sentidos... também irmanam sentidos: alegria, dor, prazer e melancolia... só ou a sós... intimidade e intimidades.

O mesmo plátano em Sintra, majestoso, pela manhã: 11 de julho e 12 de dezembro de 2015.
Gosto de ler poesia em folhas, poesia para mim são folhas que vou juntando, e perto de mim andam. Um momento de espera... ler um poema... uma situação... lembra um poema. Poder variar, poder descobrir, poder... e assim vou construindo o meu cancioneiro: revisitado, acrescentado, alterado, desencontrado, perdido e achado... eureka!

Um poema lido, ou escrito, alivia. Lido no entendimento, é a sublimação do que nos está a acontecer. Na escrita é a libertação, mais ou menos exposta, é sempre possível manter o segredo, assim o queiramos, no entanto o que nos revolve está ali exposto... enjeitado.

O maquinal "Calçada de Carriche" (António Gedeão) continua a fazer parte dos meus dias, porque me revejo nele, não sei até quando. 

Luisa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luisa,
Luisa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.

Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luisa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou-se o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luisa arqueja
pela calçada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luisa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

A minha alegria matinal (é minha) remete para o Sebastião da Gama, a Golgona Anghel é um arrebatamento passado que passou (faz tempo que não releio), a Matilde Campilho que continua adstringente como o álcool que não bebo, o Dylan Thomas da minha crise lombar, o Carlos Queiroz dos banhos de mar, "contente como um peixe" (eu)... é a minha apropriação da poesia, provavelmente, certamente... mente estapafúrdia (a minha).

A Feira do Livro de Poesia termina hoje, estive lá no domingo, entre folhas. Olhei para cima e "li", aterrei no papel e li... deram-me a conhecer os poemas volantes do Ruy Cinatti («Corpo Santo» editado pela Averno).

Distribuir poemas em folhas pela rua, pelos conhecidos e desconhecidos... já tive vontade... tenho vontade... de fazer, com os dos outros, pois não tenho dos meus... Poemas.


Lódãos (Celtis australis) no Jardim da Parada, em Campo de Ourique. Lisboa, 19 de março de 2017.


Folhas, sentido(s), sentir... sinais.

É dia da Árvore e da Poesia... dá Alegria :)

sábado, 4 de março de 2017

Capitular.

O J assim destacado no início, artisticamente trabalhado, arado que abre leiras de palavras, a cornucópia fálica e uterina, símbolo da fertilidade, da riqueza e da abundância.


Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra
IAN/TT, Livro 4

Jessé e a cotovia entreolham-se, cantando-lhe as novas de um novo dia. Provavelmente outros olhos verão coisas diferentes, consoante sejam mais ou menos esclarecidos, mais ou menos jovens (stocks e fluxos mentais): um pai natal e um pombo, outro exemplo.

Quando se olha para uma letra Maiúscula e grande, caixa alta e corpo maior, na terminologia tipográfica, aparecem coisas escondidas, fica mais fácil intuir e imaginar, imaginar e pensar, o entendimento que se desenha.

Vitor Hugo viu no C o crescente, símbolo muçulmano ou o croissant (fiquei na dúvida ao traduzir), e a óbvia lua; o M, a montanha ou as tendas de um acampamento; o S, a serpente; o L, a perna e o pé. E por ai adiante, mas bastam-me estas para enlaçar uma amizade.

O texto original encontra-se AQUI, é delicioso e estimulante, podem ver diferente do Victor Hugo, e juntar o som da vossa voz, pausadamente e em tom ascendente: o S é imediato... sibilar... noutro registo deu o meu STRAIGHT.

Foi no livro do canadiano Carl Dair que descobri o texto do Vitor Hugo, traduzido para o inglês, já passaram alguns anos, mas nunca mais olhei para as letras da mesma forma, elas já eram especiais para mim, e mais especiais ficaram. Ao meu primo Paulo agradeço o ter escutado da sua boca os primeiros termos tipográficos que aprendi, e o gosto por essa arte, para além de moleiro também gostaria de ter sido tipógrafo... pluralidade dispersiva que me leva a nada.


Design with Type de Carl Dair, reimpressão de 1995. Comprei o livro a 8 de junho de 1997.


A terminar, letra A, de dois amigos que se abraçam e apertam as mãos, e voltando ao início, a minha cotovia já anuncia a primavera, nestas flores de Ameixoeira de jardim (Prunus cerasifera subsp. pissardii), fotografadas hoje por mim em Queluz.



Sibilina Leitura...