domingo, 27 de novembro de 2016

Pontífice.

      «O engenheiro Eiffel pode muito bem ser considerado o papa dos modernos construtores. O papa, isto é: o pai das construções metálicas.
      Só em Portugal deixou umas dúzias de pontes, a mais famosa a D. Maria, no Porto, presentemente [1985] com um duvidoso futuro. Ora, o homem que faz pontes, é um pontífice.
      Eiffel, como o engenheiro Edgar Cardoso, fazem pontes entre duas margens de um rio, ou seja, ligam os homens entre si.
      Ao pontífice de Roma cabe a mais difícil tarefa de estabelecer uma ponte permanente entre os homens e os céus.
      Coisas da religião, palavra que quer dizer exactamente a mesma coisa. Religio: eu ligo o homem a Deus através do ritual.»

In "Elucidário de Conhecimentos quase Inúteis" de Roby Amorim, Edições Salamandra (1985), página 65.


Robert and Shana ParkeHarrison _ Architect's Brother > Passage > 372


































Está encontrado o pretexto, o nome que "encontrei" para esta foto, e através da qual vos dou a conhecer o trabalho destes dois artistas, marido e esposa, Robert e Shana.

Uma nesga de terra ao longe, será para lá que se dirige este pontífice?... sucessivos epicentros martelados, e os pregos onde agarram? o que juntam?... a passagem que se constrói no flutuar, entre margens incertas. Autosuficiente este pontífice, de tábuas às costas, martelo em riste, ajoelhado.

A foto pertence ao corpo de trabalho Architect's Brotherdesenvolvido entre 1993 e 2005, recorrendo somente a meios analógicos (nada de Photoshop, mas sim em mãos, na câmara escura, mesclando imagens).

O resultado final envolve, para além da fotografia, pintura, escultura e artes de palco. Fotogramas que revelam estórias de perda, luta humana e exploração pessoal, em paisagens marcadas pela tecnologia e pelo uso excessivo dos recursos... um mundo pós-apocalíptico? E se?

Foi no CD dos The Gloaming que encontrei esta e outra foto, mas também na capa de um livro do António Lobo Antunes que vi na FNAC, penso ser uma edição francesa (já estive na livraria, pesquisei na internet, mas não consegui encontrar). A foto que está na origem da capa É ESTA

Os The Gloaming estiveram este ano em Portugal, antes de eu saber da sua existência, foi pena. Podem ouvir excertos das faixas dos CDs AQUI, e um vídeo AQUI.

Mais pormenores sobre o trabalho Architect's Brother (deu origem a um livro) neste artigo do Jonathan Stead, AQUIA leitura que fiz do artigo foi a que se segue, e a propósito, já sei quem é o Joseph Beuys. Falta o resto, ainda não sei nada.






Et cetera...

E outras fotos que andarão por aí... ESTA encabeça um delicioso e brilhante artigo do saudoso Oliver Sacks, AQUI (ao jeito do Primo Levi).

domingo, 13 de novembro de 2016

Atão Antão?!... não é dragão?

Estamos no final do ano das comemorações dos 500 anos da morte do pintor Hieronymus Bosch, o Bosch, el Bosco (vem de bosque).

As grandes exposições na Holanda e em Espanha, onde nasceu e onde se encontra a maioria da sua obra que lhe sobreviveu,  já ocorreram, e não fui a nenhuma delas. Tal fato é tão somente a constatação do meu fracasso.

Em ambas houve catálogos, e BD (comic strips), e por aqui ando na (re)descoberta (e tudo começou AQUI):



Existe um Bosch por perto, no MNAA, é dele que me socorro. A folha de sala ajuda, até se refere ao Damião de Góis, retratado por Dürer e amigo de Erasmusque o teria comprado e oferecido, mas tudo não passa de desencontros e suposições, afinal o tema das tentações de Santo Antão teria sido um dos que mais pintou... a tentação e a solidão do homem justo perante o mal.

O Dr. Meyrelles do Souto dá-nos a sua descrição do tríptico, num livro que tem a minha idade, e cujas páginas coloco ao vosso dispor AQUI. Fazer a sua leitura perto do tríptico é o meu repto, e assim começa a descoberta de um deslumbramento: tanta coisa estranha e sem sentido, aos olhos de hoje, mas os olhos de Bosch são profundamente católicos... e atão Antão?

O dragão do pecado, que o autor anterior descobriu numa singular escultura na praça principal de Klagenfurt, e que também nos remete para o universo boschiano, é mais um dos acasos em que deliciosamente vou tropeçando, e que partilho convosco. A estátua renascentista teve por modelo um crânio fossilizado, que se pensou ser de um dragão, mas que hoje sabemos ser de um rinoceronte (podem ler a estória AQUI). Uma reconstituição paleontológica acidental e primordial.

Quis ver o aspeto da besta e encontrei estes postais (estou em vias de ter mais, encantado com este dragão):




Mas em verdade não me fico por aqui sem referir a polémica despoletada pelo Bosch Research and Conservation Project: há por aí Bosch's que não são Bosch... AQUI.

O que parece pode não ser, e o que não parece, de tão estranho e deformado, afinal é, mesmo passados cinco séculos.

Atão Antão?!... é dragão...
Atão Antão?!... lá vai dragão.


O meu papel de parede no computador. Gravura de Julio Ruelas.